segunda-feira, 10 de março de 2008

PVR Premiere



Select Citywalk, Saket, Sul de Deli. O novo templo do consumo da capital indiana, recém-inaugurado. Não cheira a novo (cheira mal), mas as pessoas cheiram bem e pavoneiam-se pelos longos corredores, de carteiras na mão, com os cartões de crédito prontos para serem sacados. É esta a terra sagrada (e prometida) para a nova e tão falada classe média indiana.

Treze minutos na bicha, para comprar os bilhetes. É Sexta-feira à noite, hora de ponta do entretenimento cinematográfico em Deli, mas só funcionam duas das três bilheteiras (para 9 salas), sendo que uma é reservada para a hiper-VIP Gold Class.

Chega a nossa vez. Não há intercomunicador. A pequena abertura no vidro, à altura do meu peito (e eu não sou alto), obriga a uma comunicação deficiente, ainda por cima porque o funcionário vai falando comigo como se não existisse vidro separador. Não há possibilidade interactiva de escolher os lugares. Começo por esboçar uma reacção, um pedido, e sou prontamente interrompido e despachado: Ok, good seats, sir, good seats.

O interessante é que num outro complexo da mesma rede (PVR), mais antigo (anos 90), não só há quatro bilheteiras para uma única sala, bem como intercomunicadores e ecrãs interactivos que permitem escolher os lugares. Os preços cobrados são inferiores em 50%, em média.

Ainda não jantei, mas para evitar os custosos super-combos, opto por um Chicken Hotdog (75 Rupias, 1,20 Euros). Ao contrário do que é anunciado pelos reluzentes ecrãs televisivos, por cima da cabeça do funcionário, este entrega-me o que parece ser (e assim sabe) um papo-seco de há três dias, barrado com manteiga e cenoura ralada e com uma salsicha ainda fria. E um pacotinho de ketchup. Já vai ele a atender o cliente seguinte quando esboço uma reacção e lhe transmito o meu descontentamento. Responde-me com um sorriso silencioso e entrega-me um pacotinho de mostarda.

O filme é suposto começar às 22:55. As portas da sala abrem às 23:04. Segue-se o típico wild west indiano a que se assiste em qualquer ponto-funil. Uma espécie de jogo infantil: ver quem chega primeiro ao destino (neste caso, o lugar dentro da sala) - e vale absolutamente tudo (neste caso, empurrões, cotoveladas).

Ficamos sentados na segunda fila da frente, na ponta esquerda. É humanamente impossível assistir à película desta forma (e nem falo de critérios mínimos cinéfilos). Como sempre, em Roma sê romano e tentamos adaptar-nos. Impossível. Vou ter com um dos funcionários e explico-lhe que noutras salas da mesma rede, paga-se menos por lugares nas primeiras cinco filas (front stall) (50 Rupias) e que não vejo porque é que me cobram 200 Rupias (já agora: um quinto do salário de uma empregada doméstica a 64 horas/mês). Desculpa-se com um the house is full, sir e, a meu pedido, promete-me educadamente trazer o complaint form para eu poder apresentar as minhas queixas.

Ainda bem que o filme é uma porcaria (10 000 BC). A meio irrompe uma discussão entre alguém na nossa fila e na de trás. Berros, insultos. Silêncio de novo.

Intervalo: ficamos sentados e recomeça o circo. Dez minutos de anúncios publicitários, com volume a dobrar. O funcionário a que me dirigi antes do início do filme aproxima-se de mim com um bloco de notas e caneta na mão. Fico impressionado, afinal eles até funcionam bem. Sorry, sir, would you like to order anything, coke, pop corn? ...

O filme recomeça. Outra vez, interrompe-me: Sorry, sir, would you like to order anything, coke, pop corn? A segunda parte é menos sonora. Infelizmente: por vezes ouve-se a música de fundo que passa nos corredores do centro comercial, ou alguma parte de outro filme que está a ser exibido na sala ao lado.

Fim. Sai tudo a correr, cenário igual ao da entrada. Para evacuar uma sala para 300 ou 400 pessoas, o acesso de volta ao centro comercial faz-se por uma escadinha de dois metros e meio de largura. É natural: o cliente já pagou e consumiu, portanto agora que vá à sua vida e se lixe.

2 comentários:

  1. O mundo pos-europeu. Ou o transpacifismo. Ou a alianca das democracias. Ou qualquer coisa que o valha.

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  2. Tino assistiu aos magotes em ascenção que nada tinham e agora tem.
    A classe baixa invade instalações ditas civilizadas.
    Foi assim em Portugal de 1974 untill 1990.

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