segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

One of ours



Filho de um antigo
greenkeeper do Royal Calcutá Golf Club, Shiv Shankar Prav[s]ad Chowrasia serviu anos como caddie e fazia incursões nocturnas ao campo de jogo, enquanto miúdo, para bater bolas. Por vezes era apanhado. Entretanto tornou-se profissional de golfe, comprou uma casa lá próxima e tornou-se membro ilustre do clube. Ontem, com 29 anos, venceu o I Masters da Índia, em Nova Deli, alcançando o estatuto de novo herói desportivo indiano. ...

Jornal Público de hoje, p. 36

Porquê, pergunto-me. Porquê sempre assim, ali num quarto de página, uma coluna do topo ao fundo da página, do lado esquerdo, suficientemente pequeno para não ser notícia que nos faça pensar e confrontar a diferença, contudo igualmente suficientemente grande para depois se poder invocar que até se deu um tempinho de antena a uma agenda diferente, à Índia exótica? Porquê este fait-divers, até num jornal como o Público (que, por acaso, publica na mesma edição de hoje, um editorial sobre do normalmente excelente José Manuel Fernandes que me desiludiu, porque diz um pouco de tudo e nada de novo sobre a Índia tal como ela é vista predominantemente).

Simplesmente, porque é este o único paradigma, o único filtro, com que o Ocidente, e especialmente ainda Portugal, consegue abordar a mudança a Oriente. Ao contrário do que, por exemplo, se escreve muitas vezes por aí (a Europa ignora e não quer saber o que se passa por estes lados), o problema é bastante diferente: a Europa sabe muito bem o que se passa por aqui. O problemático é a forma com que aborda o que se passa por estes lados; tristemente confrangedora, básica, primária - infantil.

Sim, isso mesmo: pequenas histórias, contos e lendas que evocam em nós as fantasias com que adormecíamos descansados com o mundo e os outros à nossa volta, aquelas gatas borralheiras, aqueles pequenos patinhos negros, os camponeses de turbante na cabeça e telemóvel xpto na mão, ou seja, aqueles Outros outrora escravos, agora libertados e príncipes, porque reconhecidos. Reconhecidos tal como nós os queremos reconhecer, nos nossos termos e nas nossas condições. Parabéns, Shiv Shankar, you are one of ours.

5 comentários:

  1. Bravo, bravo! Concordo inteiramente. Mas devo acrescentar que o mal da sub-representação e exotização nos meios de comunicação ocidentais afecta não apenas a Índia mas várias regiões deste planeta. Às vezes ponho-me a pensar se o oposto não será também verdade, ou seja, se nos meios de comunicação do hemisfério oriental não se reduzirá também o ocidente a uma colecção de estereótipos e simplificações congéneres.

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  2. Obrigado. Concordo inteiramente contigo também. Afecta a "nossa" representação de outras regiões do mundo. E afecta - e de que maneira! - a comunicação social e o imaginário indiano.

    Mas até na Índia parece-me que a representação mediática do ocidental é ligeiramente mais complexa, embora fortemente dicotomizada e sujeita a uma grande amplitude imaginária:

    por um lado, o ocidental bruto, materialista, decadente, logo inferior;
    e, por outro, a emergente imagem do ocidental feliz, realizado e abençado, logo superior, numa terra-de-todos-os-sonhos - o Ocidente El Dorado.

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  3. O Zé Manel Fernandes nunca é excelente, meu caro Constantino, mas confesso que não achei assim tão mau o que ele disse no editorial. Claro que o fascínio com os emergentes nos está a cegar para os pés de barro que eles têm e está a levar a água ao moinho dos que querem para nós a desregulamentação pura de tudo, tal como defende o ZMF (depois queixem-se das crises dos subprimes e das Société Générales e dos BCPs da vida...).

    Mas que o crescimento da Índia é fascinante e que a vontade criadora aqui é bem maior que na nossa terrinha de maldizentes crónicos (um dos quais, aliás, é o próprio ZMF) não deixa de ser verdade. Por isso este editorial, ao contrário de si, me surpreendeu a mim... pela positiva.

    Alcipe

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  4. Tanto sentido que este texto me fez!! É exactamente isto que por vezes tento explicar às pessoas, mas em vão...

    Doravante, mando-as aqui ler este texto. Pode ser que seja eu que não me explique bem :)

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  5. Caro/a Alcipe,

    talvez tenha razão e eu talvez já sofra de hiper-sensibilidade. Eu não acho que o editorial do JMF seja mau, fraco ou medíocre.

    Simplesmente, penso que não diz nada de novo e, por isso, não me surpreende: reitera o entusiasmo e a inicial (e superficial) com que se está a (re)descobrir a Índia no Ocidente, em geral, e em Portugal em particular (de forma atrasada, é claro).

    Ora, acho que o Público e a restante comunicação social portuguesa - embora deposite mais esperanças no Público - têm o dever de ir para além desta superficialidade. Devo dizer que o procurei fazer nas páginas do Expresso, durante três anos, e que continuo a tentar fazê-lo nas páginas da Atlântico, mas que o principal contributo neste sentido tem vindo do Diário Económico, uma autêntica ilhota de excelência no panorama mediático português no que concerne o tratamento da Índia em profundidade.

    De JMF, cujos editoriais normalmente acho excelentes, insisto!, esperava, pois, algo mais.

    Quanto à "terrinha de maldizentes crónicos", tem toda a razão. A prova está no facto de, para os indianos, ela continuar a situar-se na América Latina ou nas Caraíbas. Puerto what? Rico?

    Mas há mudança: a Índia está a (re)descobrir Portugal e 2007 foi um ano importantissimo que em muito contribuiu para tal, especialmente com as excelentes visitas do PR e do PM que voltaram a colocar Lisboa no mapa-mundo do South Block.

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