terça-feira, 31 de julho de 2007
Porteiro
Passa o dia enfardado, de pé, no mesmo meio metro quadrado: abre e fecha a porta, recebe e despede-se dos clientes, troca fichas numeradas por sacos e malas. À hora de almoço, opera a porta com a mão esquerda, enquanto que com a direita ensopa a apa no caril e mata a fome.
Internacionalização
Em conjunto com a sondagem que mantenho activa no Supergoa.com (Por que razão é que os empresários portugueses continuam ausentes da Índia?), recomendo este artigo de João Santos Lucas sobre a (fraca) internacionalização de empresas portuguesas na Ásia:
"a internacionalização se faz com colaboradores competentes e disponíveis que ganharam experiência nos mercados internacionais e, aí, se movem à vontade. E, por isso, é necessário capitalizar as comunidades portuguesas no estrangeiro e investir, aí, na formação de “agentes” locais de internacionalização da economia portuguesa. Como é igualmente necessário favorecer a dispersão, nomeadamente nos países sem emigrantes portugueses, de um número muito significativo de gestores e de profissionais portugueses que se entrosem nas empresas multinacionais e locais, que ganhem experiência nesses mercados, e que favoreçam, apoiem e promovam a expansão das empresas portuguesas. Com especial incidência na Ásia, do Japão à China, da Índia à Indonésia, da Malásia a Singapura."...
"a internacionalização se faz com colaboradores competentes e disponíveis que ganharam experiência nos mercados internacionais e, aí, se movem à vontade. E, por isso, é necessário capitalizar as comunidades portuguesas no estrangeiro e investir, aí, na formação de “agentes” locais de internacionalização da economia portuguesa. Como é igualmente necessário favorecer a dispersão, nomeadamente nos países sem emigrantes portugueses, de um número muito significativo de gestores e de profissionais portugueses que se entrosem nas empresas multinacionais e locais, que ganhem experiência nesses mercados, e que favoreçam, apoiem e promovam a expansão das empresas portuguesas. Com especial incidência na Ásia, do Japão à China, da Índia à Indonésia, da Malásia a Singapura."...
Imagem de marca
Sabões portugueses a serem anunciados num jornal diário de Bombaim. É assim que se faz branding, colocando Portugal como imagem de marca no imaginário dos consumidores indianos. É assim que podemos penetrar novos mercados. Que venham mais Claus Portos.
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>Because they come from the oldest and most prestigious soap making factory in Portugal.
>Because these soaps are milled seven times so that you get a dense soap that’s fragrant till the end, doesn’t crack or chip.
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>Because they use high quality fragrances from France.
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domingo, 29 de julho de 2007
Shambo
Já me preparava para escrever aqui uma longa crónica, anotando as minhas observações sobre este surreal episódio. Não vale a pena:
1. O Shambo tinha que morrer, tal como, há uns anos, a minha cadela Saba.
2. Talvez o Shambo não seja o único doente: quando a BBC World abre o noticiário, em prime-time, com o Shambo, algo vai visivelmente mal neste mundo.
1. O Shambo tinha que morrer, tal como, há uns anos, a minha cadela Saba.
2. Talvez o Shambo não seja o único doente: quando a BBC World abre o noticiário, em prime-time, com o Shambo, algo vai visivelmente mal neste mundo.
Sati e um sociólogo pouco cosmopolita
O sociólogo Alberto Gonçalves, numa edição do DN de há umas semanas.
"Há meses, no Expresso, o meu amigo João Pereira Coutinho lembrou o general Charles James Napier, comandante militar da administração britânica na Índia oitocentista. Uma ocasião, Napier recebeu uma delegação regional, que reivindicava o direito de realizar a "sati", a divertida mania de grelhar as viúvas na pira funerária dos maridos. O general propôs um encontro de culturas: "A vossa tradição inclui a queima de mulheres. Óptimo. A minha inclui o enforcamento das pessoas que queimam mulheres. Façam a pira, que ao lado faremos uma forca. Vocês cumprem o vosso costume, nós cumprimos o nosso." Obviamente, não foi o que se passou no século posterior. Aos poucos, a Grã-Bretanha (e a Europa) largou o império e os costumes. Os ex-colonizados levaram os costumes para a casa dos ex-colonos. E a sensatez de Napier não tem herdeiros."
Pergunto eu: que tal acostumarmo-nos um pouco aos costumes dos outros, em vez de insistirmos no (muito oitocentista e infantil) "olho por olho, dente por dente"?
"Há meses, no Expresso, o meu amigo João Pereira Coutinho lembrou o general Charles James Napier, comandante militar da administração britânica na Índia oitocentista. Uma ocasião, Napier recebeu uma delegação regional, que reivindicava o direito de realizar a "sati", a divertida mania de grelhar as viúvas na pira funerária dos maridos. O general propôs um encontro de culturas: "A vossa tradição inclui a queima de mulheres. Óptimo. A minha inclui o enforcamento das pessoas que queimam mulheres. Façam a pira, que ao lado faremos uma forca. Vocês cumprem o vosso costume, nós cumprimos o nosso." Obviamente, não foi o que se passou no século posterior. Aos poucos, a Grã-Bretanha (e a Europa) largou o império e os costumes. Os ex-colonizados levaram os costumes para a casa dos ex-colonos. E a sensatez de Napier não tem herdeiros."
Pergunto eu: que tal acostumarmo-nos um pouco aos costumes dos outros, em vez de insistirmos no (muito oitocentista e infantil) "olho por olho, dente por dente"?
Confiança e desconfiança
Índia e Portugal, ambos alvo de destaque no mesmo estudo, mas por razões opostas.
sábado, 28 de julho de 2007
terça-feira, 10 de julho de 2007
Lodhi Road
O sinal está vermelho e o sangue alcoolizado, mas o pé direito acelera a fundo.
A cara primeiro, depois o abafado e ensanguentado estrondo do embate no pára-brisas. Uma cara criança. Escura, tão escura que mal se distingue da noite negra, das árvores e dos arbustos, dos mendigos, meninos e mutilados adormecidos, todos aguardando a aurora e a letargia de mais um dia.
Retira o preservativo e enrola-o numa página de jornal. Fecha os olhos e saboreia o ar condicionado. Mais um, menos um, tanto faz, pensa, ainda suado. Amanhã é outro dia, quente e húmido, cheio de sucessos.
A cara primeiro, depois o abafado e ensanguentado estrondo do embate no pára-brisas. Uma cara criança. Escura, tão escura que mal se distingue da noite negra, das árvores e dos arbustos, dos mendigos, meninos e mutilados adormecidos, todos aguardando a aurora e a letargia de mais um dia.
Retira o preservativo e enrola-o numa página de jornal. Fecha os olhos e saboreia o ar condicionado. Mais um, menos um, tanto faz, pensa, ainda suado. Amanhã é outro dia, quente e húmido, cheio de sucessos.
segunda-feira, 9 de julho de 2007
Imagens de Deli: Tyler em greve de fome
Já conheçem o meu amigo, colega e collocataire. Tyler Walker William, Vice-Presidente da Associação de Estudantes da JNU (JNUSU), eleito pelo partido estudantil de extrema esquerda, All India Students Association (AISA). A sua eleição, a sua nacionalidade, a sua ideologia e a sua fluência em hindi levaram-no, há dez meses, a abrir os noticiários televisivos por toda a Índia.
Levam-no agora a uma greve de fome, na luta estudantil para que os trabalhadores nas obras da universidade pública sejam remunerados com o salário mínimo estabelecido pelo próprio governo (menos de três Euros por dia - recebem actualmente menos de dois, e vivem com as suas numerosas famílias numa tenda, sem acesso a instalações sanitárias).
Assim, oito estudantes iniciaram, há mais de uma semana, uma greve de fome ininterrupta. Nesta foto o Tyler estava no seu sétimo dia de greve (no Sábado passado), ingerindo só água com sumo de limão puro. Dormem ao relento, a temperaturas superiores a trinta graus e com humidade acima dos 80%. Acabo de falar com o Tyler por telefone. Diz que está "óptimo" neste seu nono dia de greve e que "a luta continua".
Regresso
Concluído o seu contrato de três anos em Nova Deli, anuncia aos colegas e amigos o seu regresso a Oslo, num hotel, à volta de uma mesa em vidro cicatrizada pela base dos copos. Lá fora a humidade, a merda, os fetos em decomposição e o seu motorista. Dói-lhe a cabeça, mas só um pouco. Os olhos escandinavos não mentem. Já sente saudades.
Comendo em Deli: Mezbaan
Uma nova série, com pequenos apontamentos sobre os restaurantes da cidade que eu vou frequentando. Este primeiro é sobre o Mezbaan (9/1 Secular House, Aruna Asaf Ali Marg, Opposite JNU East Gate, New Delhi, Tel: 011-26966398; não confundir com o seu congénere mais luxuoso, de igual nome, em Connaught Place), um pequeno estabelecimento junto a uma das entradas paralelas da JNU. Serve comida mughlai, recomendando-se os seus tandooris (na foto: paneer tikka e chicken tandoori, com o sempre delicioso bindi masala).
O aspecto interior (austero) e a higiene (q.b.) não são o seu forte, mas a comida é segura e bem cozinhada. É muito frequentado pelos estudantes da JNU, que aqui usufruem de um desconto de 10% sobre a conta final. Um bom almoço para dois, com fresh lime soda e um pequeno gelado no fim, fica em pouco mais de 200 Rupias.
sábado, 7 de julho de 2007
Citações de Deli: Barka Dhutt
Hoje, no Hindustan Times:
But now, we are almost out of argument and standing eyeball to eyeball with a horrible, inescapable truth.The man who rammed a burning car into the airport at Glasgow was almost certainly an Indian. And no, he doesn’t have a long, flowing beard, he doesn’t wear a skullcap, he didn’t study Urdu or Arabic at a madrasa and he’s not even from Kashmir. Kafeel Ahmed is an aeronautical engineer who went to school and college in Bangalore, before moving westwards to Ireland and Britain. ... Glasgow may be several thousand miles away, but the lessons it has brought home are devastating and undeniable. The Indian connection to the terror plot in Britain has shifted the ground beneath our feet. It has taken away the comforting certainties that we had taken for granted as a modern, secular democracy.
Já o tinha previsto quando, em finais do ano passado, publiquei um artigo de análise pós-atentados terroristas de Bombaim, na revista O Mundo em Portugês, do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais:
"...o 11 de Julho fez a Índia acordar para uma nova realidade. Algumas franjas mais desfavorecidas da sua população muçulmana têm-se radicalizado ao longo dos últimos anos e entrado na órbita do terrorismo islâmico internacional. Embora tenha a maior minoria muçulmana do mundo (cerca de 150 milhões de pessoas), a Índia sempre se orgulhou do facto de os seus cidadãos nunca constarem das listas de operacionais da al-Qaida ou de qualquer outra organização terrorista islâmica.
Os atentados de Bombaim vêm, no entanto, provar o contrário. Têm claramente o carimbo operativo da al-Qaida, mas tudo aponta para que tenham sido executados por recrutas locais do LeT, do JeM ou do SIMI. Este fenómeno é de particular importância, tendo em conta que a al-Qaida procura garantir novas fontes de recrutamento. Enquanto que cidadãos paquistaneses e afegãos estão sob redobrada atenção desde o 11 de Setembro, a vasta minoria muçulmana da Índia apresenta-se como uma alternativa atractiva."
sexta-feira, 6 de julho de 2007
Confiando: Estacionamento
No meu bairro é normal os vizinhos, ao fim da tarde, iniciarem ruidosas, e por vezes violentas, disputas à volta de um precioso lugar de estacionamento para o seu veículo. Ao voltar de duas semanas em Portugal, sou apanhado em flagrante pelo meu vizinho do rés-do-chão, contra cuja parede e vasos florais eu tinha encostado a minha mota durante a minha ausência. Receando já o pior, desculpo-me timidamente, mas sou surpreendido pelo seu tom afável e expressão sorridente: "No problem at all. You can leave it here whenever you want. It will always be in good hands here, don't worry!".
1961 (mais polémica)
Já que estamos a abordar temas quentes, valerá a pena visionar este vídeo no Youtube, e especialmente o monumental debate nos comentários (376!), recheado de posições extremistas (e outras, mais raras e moderadas) sobre os eventos de Dezembro de 1961 que viram o fim do Estado da Índia Portuguesa e a integração de Goa, Damão e Diu na então União Indiana. Tenho a certeza que uma análise sociológica a estes comentários daria uma bela tese de mestrado.
Traição e lealdade (sobre o Supergoa.com)
Uma citação de um post, num blogue (Combustões), comentando uma sondagem que tenho activa no Supergoa.com, num tom radical e nacionalista típico dos fóruns em que se debate 1961 e Goa. Os resultados actuais da sondagem a que o autor da citação se refere estão, por sinal, deturpados, como quase todas as sondagens na Internet (e não só), inflaccionadas por votos repetidos de alguns extremistas (neste caso "anti-portugueses" e "pró-portugueses" indianos).
Imagem do blog Combustôes: João de Brito catequizando os Indianos, por Manuel Maria Bordalo Pinheiro (1865)
You know who I am?
Se há frase que mais me ficará gravada na memória desta minha vida em Deli, é esta: "You know who I am?".
Estava nos meus primeiros meses de Deli, em casa de uns amigos estrangeiros, com alguns indianos. A comida indiana, que a cicerone tinha encomendado de um restaurante fino do Sul de Deli, tardava em chegar.
Um dos jovens indianos, colega de faculdade, pegou no telefone, ligou para o dito restaurante e, antes que do outro lado da linha pudessem dizer 'Boa noite', disparou aos berros, repetidos: "You know who I am? You know who you are talking to? If the food is not here in 3 minutes, I'll ensure your restaurant closes forever, tomorrow first thing in the morning".
Este estudante é um autêntico zé-ninguém a nível nacional, filho de um industrialista das plantações de chá do remoto Assão. É, de facto, de casta alta e frequentou a reputada Doon School, uma das mais prestigiadas escolas de elite que herdou o seu perfil das Public Schools dos tempos coloniais britânicos. Mas com estas características há centenas de milhares, se não milhões de indianos.
O dicurso 'You know who I am?' (YKWIA) acompanhou-me desde então, e tive oportunidade de o observar em acção muitas mais vezes (como no avião do Turkish Airlines, recentemente). É o discurso prevalecente na classe média indiana. Ora, pessoas como este meu colega refugiam-se no discurso YKWIA porque é uma ameaça anónima que pode ser muito eficaz. No entanto, se o YKWIA inicialmente teve um efeito poderoso, com o distinto cunho das elites, hoje a sua proliferação e democratização levou à sua banalização e ordinarização, perdendo todo o seu anterior efeito.
Do outro lado da linha telefónica não é fácil distinguir o trigo do joio. Virá esta ameaça de alguém realmente poderoso ou só de um simples plebeu como eu, interrogar-se-á o empregado do restaurante, ou o dono do estabelecimento. Observo que a tendência é justamente para os donos de estabelecimentos ou acusados ignorarem, mais e mais, estas ameaças YKWIA.
Aliás, o feitiço do YKWIA virou-se contra o feiticeiro. Os verdadeiramente poderosos já não precisam de berrar e barafustar. Bastará uma palavra, muito seca e silenciosa, e do outro lado da linha perceberão logo que estão a tratar com alguém realmente poderoso. Os indianos poderosos de hoje já não ameaçam aos berros: fazem-no de forma educada e subtil, fria e assassina. Por outro lado, os fracos ainda estão longe de poderem sonhar com a possibilidade de se queixarem, e muito menos de acusarem e ameaçarem. É, logo, a classe média que mais se identifica, e por isso é imediatamente identificada, com o discurso YKWIA. E esta classe média é tão gigantesca e tão crescente, que os acusados estão-se nas tintas para ela.
Se você está mal, então mude-se, dizem-nos. A Internet não funciona bem? Então fale com os nossos operadores rivais, porque nós temos clientes a mais a saturarem-nos a rede. Como o estado não regula nem impõe, e como não há ainda direitos dos consumidores nesta selvajaria capitalista que dá pelo nome de economia emergente, o conceito de serviço de atendimento e de qualidade é quase inexistente.
"A comida está atrasada?", responde agora o dono do restaurante, do outro lado da linha. "Sim, e..." quer responder o meu colega, pronto para elaborar mais uma ofensiva YKWIA, mas imediatamente interrompido pela prepotência económica do restaurador: "Então vá pedir comida noutro lugar". Tuut, tuut, tuut. Conversa terminada.
Estava nos meus primeiros meses de Deli, em casa de uns amigos estrangeiros, com alguns indianos. A comida indiana, que a cicerone tinha encomendado de um restaurante fino do Sul de Deli, tardava em chegar.
Um dos jovens indianos, colega de faculdade, pegou no telefone, ligou para o dito restaurante e, antes que do outro lado da linha pudessem dizer 'Boa noite', disparou aos berros, repetidos: "You know who I am? You know who you are talking to? If the food is not here in 3 minutes, I'll ensure your restaurant closes forever, tomorrow first thing in the morning".
Este estudante é um autêntico zé-ninguém a nível nacional, filho de um industrialista das plantações de chá do remoto Assão. É, de facto, de casta alta e frequentou a reputada Doon School, uma das mais prestigiadas escolas de elite que herdou o seu perfil das Public Schools dos tempos coloniais britânicos. Mas com estas características há centenas de milhares, se não milhões de indianos.
O dicurso 'You know who I am?' (YKWIA) acompanhou-me desde então, e tive oportunidade de o observar em acção muitas mais vezes (como no avião do Turkish Airlines, recentemente). É o discurso prevalecente na classe média indiana. Ora, pessoas como este meu colega refugiam-se no discurso YKWIA porque é uma ameaça anónima que pode ser muito eficaz. No entanto, se o YKWIA inicialmente teve um efeito poderoso, com o distinto cunho das elites, hoje a sua proliferação e democratização levou à sua banalização e ordinarização, perdendo todo o seu anterior efeito.
Do outro lado da linha telefónica não é fácil distinguir o trigo do joio. Virá esta ameaça de alguém realmente poderoso ou só de um simples plebeu como eu, interrogar-se-á o empregado do restaurante, ou o dono do estabelecimento. Observo que a tendência é justamente para os donos de estabelecimentos ou acusados ignorarem, mais e mais, estas ameaças YKWIA.
Aliás, o feitiço do YKWIA virou-se contra o feiticeiro. Os verdadeiramente poderosos já não precisam de berrar e barafustar. Bastará uma palavra, muito seca e silenciosa, e do outro lado da linha perceberão logo que estão a tratar com alguém realmente poderoso. Os indianos poderosos de hoje já não ameaçam aos berros: fazem-no de forma educada e subtil, fria e assassina. Por outro lado, os fracos ainda estão longe de poderem sonhar com a possibilidade de se queixarem, e muito menos de acusarem e ameaçarem. É, logo, a classe média que mais se identifica, e por isso é imediatamente identificada, com o discurso YKWIA. E esta classe média é tão gigantesca e tão crescente, que os acusados estão-se nas tintas para ela.
Se você está mal, então mude-se, dizem-nos. A Internet não funciona bem? Então fale com os nossos operadores rivais, porque nós temos clientes a mais a saturarem-nos a rede. Como o estado não regula nem impõe, e como não há ainda direitos dos consumidores nesta selvajaria capitalista que dá pelo nome de economia emergente, o conceito de serviço de atendimento e de qualidade é quase inexistente.
"A comida está atrasada?", responde agora o dono do restaurante, do outro lado da linha. "Sim, e..." quer responder o meu colega, pronto para elaborar mais uma ofensiva YKWIA, mas imediatamente interrompido pela prepotência económica do restaurador: "Então vá pedir comida noutro lugar". Tuut, tuut, tuut. Conversa terminada.
Aldrabando: Arrumador
É curioso, ainda por cima em contraste total com o que se passa em Portugal, como já tive oportunidade de referir aqui. De todas as transacções comerciais e negociais que pratico ao longo de uma semana normal em Deli, de todos os lojistas, empresários, empregados e demais pessoas com quem mantenho relações económicas, registo a relação mais amigável com o arrumador da minha mota, numa zona comercial que costumo frequentar.
Hoje, ao colocar-lhe novamente a nota de cinco Rupias na mão, de saída, percebi porquê. É provavelmente o único local em que o preço é totalmente fixo e não há qualquer margem ou possibilidade de me aldrabarem.
Hoje, ao colocar-lhe novamente a nota de cinco Rupias na mão, de saída, percebi porquê. É provavelmente o único local em que o preço é totalmente fixo e não há qualquer margem ou possibilidade de me aldrabarem.
Aldrabando: Estafetas e números de telemóvel
Os estafetas que nos vêm (às vezes) entregar, a casa, o correio nos destinado e que nunca nos chegaria pela via normal, postal ordinária, pedem sempre que assinemos num formulário a acusar a recepção e que indiquemos o nosso número de telemóvel, para o cliente (remetente) hipoteticamente confirmar a boa recepção.
Hoje, em conversa com um deles, confirmei aquilo que sempre suspeito quando me pedem o número de telemóvel na Índia. Mal pagos, os pobres homens vendem depois os ditos números de telemóvel coleccionados ao longo do suado dia de trabalho, a empresas de marketing, que depois passam os restantes dias da nossa vida a chatear-nos com promoções e tal.
Hoje, em conversa com um deles, confirmei aquilo que sempre suspeito quando me pedem o número de telemóvel na Índia. Mal pagos, os pobres homens vendem depois os ditos números de telemóvel coleccionados ao longo do suado dia de trabalho, a empresas de marketing, que depois passam os restantes dias da nossa vida a chatear-nos com promoções e tal.
terça-feira, 3 de julho de 2007
Citações de Deli: M. K. Narayanan
O National Security Advisor, em declarações recentes (e pouco diplomáticas e, por isso, pouco difundidas) à imprensa, parecendo querer ressuscitar os fantasmas de uma pubertária política regional indiana que se pensava enterrada há muito:
“We are the big power in the region. Let us make this very clear. We strongly believe that whatever requirements the Sri Lankan government has, they should come to us. And we will give them what we think is necessary. We do not favour their going to China, Pakistan or any other country. We will not provide the Sri Lankan government with offensive capability. That is our position.”
“We are the big power in the region. Let us make this very clear. We strongly believe that whatever requirements the Sri Lankan government has, they should come to us. And we will give them what we think is necessary. We do not favour their going to China, Pakistan or any other country. We will not provide the Sri Lankan government with offensive capability. That is our position.”
A Índia e a presidência portuguesa da União Europeia (Relações Internacionais nº 14)
É lançado hoje, ao fim do dia, o número 14 da revista Relações Internacionais, do Instituto Português de Relações Internacionais dirigido pelo Prof. Carlos Gaspar, dedicado especialmente à Europa, e os seus desafios e políticas. Destaca-se o artigo do Secretário de Estado Manuel Lobo Antunes: Europa: daqui para a frente (versão integral aqui)
No dossier especial relativo à Presidência portuguesa do Conselho, a revista inclui um comentário meu sobre a Índia, intitulado "A Índia e a presidência portuguesa da União Europeia" (pp. 125-129). Fica aqui o parágrafo inicial:
"Sete anos depois da primeira cimeira União Europeia-Índia, realizada em Lisboa sob os auspícios de António Guterres e Atal Vajpayee, em Junho de 2000, Portugal volta a ocupar uma posição de destaque numa das mais importantes parcerias estratégicas e cimeiras anuais que Bruxelas mantém com um restrito grupo de seis países. A oitava cimeira está agendada para o mês de Novembro, provavelmente no seguimento da cimeira com a China, em Pequim, e contará, do lado europeu, com uma privilegiada presença portuguesa, com José Sócrates e Durão Barroso na qualidade de representantes do Conselho e da Comissão da União Europeia (UE), respectivamente."...
Portugueses da Índia: Nuno e Tiago
Quatro anos depois de me o Indian Council of Cultural Relations me ter informado, por via da Embaixada indiana em Lisboa, de que tinha sido aceite para uma bolsa de estudo de pós-graduação na JNU há, finalmente, uma segunda geração que me segue.
O Nuno e o Tiago, licenciados em Psicologia em Lisboa, entraram em contacto comigo porque se preparam para se inscrever na Sardar Patel University, na pequena cidade universitária de Vallabh Vidhyanagar (30 mil habitantes, logo uma aldeola indiana), no Gujerate, a 140 km de Ahmedabad e a doze horas, de viagem de comboio, de Bombaim. Aguardam-nos dois anos de pós-graduação (curso curricular) em Psicologia, equivalente à pós-graduação que fiz, entre 2004 e 2006, em Relações Internacionais.
O Nuno e o Tiago, licenciados em Psicologia em Lisboa, entraram em contacto comigo porque se preparam para se inscrever na Sardar Patel University, na pequena cidade universitária de Vallabh Vidhyanagar (30 mil habitantes, logo uma aldeola indiana), no Gujerate, a 140 km de Ahmedabad e a doze horas, de viagem de comboio, de Bombaim. Aguardam-nos dois anos de pós-graduação (curso curricular) em Psicologia, equivalente à pós-graduação que fiz, entre 2004 e 2006, em Relações Internacionais.
O contacto tem sido interessante e tem sido um prazer aconselhá-los e rever e re-encontrar as mesmas dúvidas e questões que me assolavam a mim, em 2004, embora não fosse então viajar para a Índia pela primeira vez, ao contrário do Nuno e do Tiago.
É um excelente sinal: em mais de dez anos, para além da minha candidatura, houve (ao que soube) só uma bolsa, em finais dos anos noventa, concedida a uma aluna portuguesa que foi estudar danças tradicionais indianas em Varanasi, e duas candidaturas aceites de dois colegas meus mais novos, em 2005, licenciados em Relações Internacionais pelo mesmo departamento que o meu (FCSH-UNL), mas que depois optaram por outros destinos.
É, portanto, um bom sinal, porque demonstra que há mais jovens estudantes e investigadores portugueses interessados em aventurarem-se por estas bandas, enfrentar as grandes adversidades que se apresentam a qualquer jovem europeu que tenha que estudar na Índia, mas também as enormes oportunidades para conhecer mais de um país que ainda vai dar muito que falar no futuro. Bem-vindos, Nuno e Tiago. E boa sorte!
domingo, 1 de julho de 2007
Ambições Oceânicas (Atlântico, nº 28)
Excerto da minha crónica mensal "Passagem para a Índia" na revista Atlântico de Julho, nas bancas desde a passada Quinta-feira:
"Os engenheiros coloniais britânicos e portugueses bem que procuraram inculcar o espírito marítimo na psique urbanística indiana, como o provam a extensa Marine Drive em Bombaim ou a formosa marginal do Rio Mandovi, em Pangim, a capital de Goa. Mas por mais sublimes que sejam as praias ou as baías que polvilham a costa indiana, as suas cidades e aldeias teimam em virar as costas à água. As casas, praças e avenidas orientam-se para o interior continental e só os pescadores, geralmente de castas mais baixas ou intocáveis, estão autorizados a enfrentar o kala pani, o mar negro e impuro.
Esta hidrofobia indiana parece, no entanto, estar a transformar-se rapidamente em hidro-obsessão. De repente, já só se fala em Indian Ocean. O imenso oceano passou a ser visto como trampolim ideal para a Índia transcender o seu encurralamento territorial, entre o Paquistão, os Himalaias e a China, e assumir o seu ambicionado papel de grande potência."
Portugueses da Índia: Mónica Reis
Mais uma portuguesa da Índia. Mónica Reis passou vários meses a investigar o património colonial - vivo e em pedra - de Damão, para a sua tese na Universidade do Algarve. Recomenda-se este seu blogue (Patrimonius), com alguns escritos e fotografias, bem como esta sua crónica, publicada no boletim da Associação Fraternidade Damão-Diu e Simpatizantes, liderada pelo Pe. António Colimão, da Paróquia de S. Francisco Xavier, ao Restelo.
Ar condicionado
O electricista prepara-se para sair, mas eu obrigo-o a testar o ar condicionado mais uma vez, à procura de corrente eléctrica nos comandos manuais. O busca-pólos ilumina-se de forma alarmante e eu insurgo-me com a tentativa de homicídio de que sinto ter sido alvo.
O jovem homem não se mostra incomodado. Vai à minha sala, pega num jornal (do dia) e coloca-o à frente do aparelho (um window ac), no chão. De seguida, coloca os dois pés no jornal e liga e desliga o aparelho com a mão que depois abana à minha frente, com expressão triunfante.
- "Já viu, assim não apanha choque", exclama, em hindi.
- "Queres que eu, sempre que eu queira desligar, ligar ou alterar a temperatura, vá buscar um jornal e ponha os pés em cima dele?", pergunto retoricamente, já irritado.
- "Se preferir, bhai, pode calçar uns chinelos ou uns ténis", responde-me o engenhocas, agora sorridente e orgulhoso com a sua invenção e já com a maleta por baixo do braço, de saída.
O jovem homem não se mostra incomodado. Vai à minha sala, pega num jornal (do dia) e coloca-o à frente do aparelho (um window ac), no chão. De seguida, coloca os dois pés no jornal e liga e desliga o aparelho com a mão que depois abana à minha frente, com expressão triunfante.
- "Já viu, assim não apanha choque", exclama, em hindi.
- "Queres que eu, sempre que eu queira desligar, ligar ou alterar a temperatura, vá buscar um jornal e ponha os pés em cima dele?", pergunto retoricamente, já irritado.
- "Se preferir, bhai, pode calçar uns chinelos ou uns ténis", responde-me o engenhocas, agora sorridente e orgulhoso com a sua invenção e já com a maleta por baixo do braço, de saída.
Aldrabando: Ar condicionado e Internet
Logo na primeira noite o ar-condicionado avariado e a Internet interrupta. O electricista aldraba-me em 300 Rupias e deixa o aparelho a fumegar tanto ou mais ainda do que antes. Do operador cibernético (que remunero mensalmente com 1000 Rupias - salário para muitas famílias) respondem-me que "são as chuvas".
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