Se há frase que mais me ficará gravada na memória desta minha vida em Deli, é esta: "You know who I am?".
Estava nos meus primeiros meses de Deli, em casa de uns amigos estrangeiros, com alguns indianos. A comida indiana, que a cicerone tinha encomendado de um restaurante fino do Sul de Deli, tardava em chegar.
Um dos jovens indianos, colega de faculdade, pegou no telefone, ligou para o dito restaurante e, antes que do outro lado da linha pudessem dizer 'Boa noite', disparou aos berros, repetidos: "You know who I am? You know who you are talking to? If the food is not here in 3 minutes, I'll ensure your restaurant closes forever, tomorrow first thing in the morning".
Este estudante é um autêntico zé-ninguém a nível nacional, filho de um industrialista das plantações de chá do remoto Assão. É, de facto, de casta alta e frequentou a reputada Doon School, uma das mais prestigiadas escolas de elite que herdou o seu perfil das Public Schools dos tempos coloniais britânicos. Mas com estas características há centenas de milhares, se não milhões de indianos.
O dicurso 'You know who I am?' (YKWIA) acompanhou-me desde então, e tive oportunidade de o observar em acção muitas mais vezes (como no avião do Turkish Airlines, recentemente). É o discurso prevalecente na classe média indiana. Ora, pessoas como este meu colega refugiam-se no discurso YKWIA porque é uma ameaça anónima que pode ser muito eficaz. No entanto, se o YKWIA inicialmente teve um efeito poderoso, com o distinto cunho das elites, hoje a sua proliferação e democratização levou à sua banalização e ordinarização, perdendo todo o seu anterior efeito.
Do outro lado da linha telefónica não é fácil distinguir o trigo do joio. Virá esta ameaça de alguém realmente poderoso ou só de um simples plebeu como eu, interrogar-se-á o empregado do restaurante, ou o dono do estabelecimento. Observo que a tendência é justamente para os donos de estabelecimentos ou acusados ignorarem, mais e mais, estas ameaças YKWIA.
Aliás, o feitiço do YKWIA virou-se contra o feiticeiro. Os verdadeiramente poderosos já não precisam de berrar e barafustar. Bastará uma palavra, muito seca e silenciosa, e do outro lado da linha perceberão logo que estão a tratar com alguém realmente poderoso. Os indianos poderosos de hoje já não ameaçam aos berros: fazem-no de forma educada e subtil, fria e assassina. Por outro lado, os fracos ainda estão longe de poderem sonhar com a possibilidade de se queixarem, e muito menos de acusarem e ameaçarem. É, logo, a classe média que mais se identifica, e por isso é imediatamente identificada, com o discurso YKWIA. E esta classe média é tão gigantesca e tão crescente, que os acusados estão-se nas tintas para ela.
Se você está mal, então mude-se, dizem-nos. A Internet não funciona bem? Então fale com os nossos operadores rivais, porque nós temos clientes a mais a saturarem-nos a rede. Como o estado não regula nem impõe, e como não há ainda direitos dos consumidores nesta selvajaria capitalista que dá pelo nome de economia emergente, o conceito de serviço de atendimento e de qualidade é quase inexistente.
"A comida está atrasada?", responde agora o dono do restaurante, do outro lado da linha. "Sim, e..." quer responder o meu colega, pronto para elaborar mais uma ofensiva YKWIA, mas imediatamente interrompido pela prepotência económica do restaurador: "Então vá pedir comida noutro lugar". Tuut, tuut, tuut. Conversa terminada.
em italiano...."lei non sa chi sono io!". e' uma frase universal, ou pelo menos, muito usada nos paises, como a italia ou a india, onde a meritocracia e' coisa muito longe de ser realdade...nada exotico infelizmente. de qualquer maneira, sempre comico e quase nunca ironico.
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