quinta-feira, 10 de agosto de 2006

Passagem para a Índia nº 6

O MITO DO PACIFISMO
Constantino Xavier em Nova Deli

A Índia pacifista é um dos mitos mais bem expandidos no imaginário de certa intelectualidade ocidental: uma Índia onde impera a espiritualidade e onde a violência prima pela ausência nas relações sociais e políticas. É como se os raquíticos corpos dos indianos os impedissem de travar qualquer confrontação física, obrigando-os sempre a procurar soluções pacíficas.

Mas, na realidade, a Índia é tão pacifista como Átila, o huno. A própria mitologia hindu representa-o bem: no épico “Ramayana”, composto há mais de dois mil anos, o virtuoso príncipe Rama, acompanhado de um exército de macacos, enfrenta o demónio Ravana, que com as suas dez cabeças e dez armas mantém refém a princesa Sita. Em 24 000 versos, sucedem-se gigantescas batalhas e duelos marciais. Outro exemplo tenebroso é o da deusa guerreira Kali, que é representada com uma espada e um colar de 51 cabeças humanas ensanguentadas.

(...) Em certos círculos românticos, sucumbiu-se à tentação de construir uma Índia pacifista e moralmente sã, onde a violência, como que por milagre, não tem lugar. É o “wishful thinking” posto em prática. É que, justamente, esta imagem nasce nas primeiras décadas do século XX, quando a Europa foi atravessada pelas guerras mais violentas de sempre. Um Gandhi e uma imensa Índia pacifista vinham mesmo a calhar para expurgar os supostos males ocidentais.

Excertos da coluna na p. 44, do número de Agosto da Revista Atlântico

1 comentário:

  1. Excelente...já estava com saudades!

    Bem vindo de volta ás bloguices indianescas.

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