EXPRESSO, Edição 1738, 18.02.2006, Internacional
O país das piores condições
O NAVIO de guerra francês «Clemenceau», com centenas de toneladas de amianto a bordo, tinha como seu último destino a pequena cidade portuária de Alang, no Noroeste da Índia. A localidade é conhecida por albergar «um dos maiores cemitérios navais do mundo», onde aportam anualmente centenas de antigos petroleiros, porta-contentores e navios militares vindos dos cinco continentes.
As embarcações são tomadas de assalto por milhares de trabalhadores indianos que, sem qualquer formação ou equipamento de protecção, os desmantelam para reciclagem e produção de aço.
Durante todo o processo os trabalhadores, principalmente imigrantes sazonais vindos das regiões mais pobres da Índia, são expostos a grandes quantidades de amianto, chumbo, mercúrio e vários outros resíduos tóxicos que são depois incinerados ao ar livre, depositados no mar ou mesmo vendidos ao público.
Estudos calculam que um quarto dos cerca de dez mil empregados de Alang corre «sérios riscos de contrair cancro» e o próprio Governo estadual admite que quase 400 pessoas morreram desde 1983 em acidentes de trabalho e que a faixa costeira está hoje severamente poluída.
Alang não passa no entanto de um exemplo. 90% dos cerca de 600 navios transoceânicos abatidos anualmente no mundo inteiro são desmantelados em condições similares nos portos da Índia, do Paquistão, do Bangladesh e da China. De acordo com um relatório que a União Europeia publicou em 2004, o número de navios desmantelados entre 1994 e 2003 é de 4.658, 2.640 foram desmantelados na Índia.
Também no Oriente os interesses económicos falam alto. Embora a Índia tenha uma legislação ambiental bastante completa, nem sempre a aplica no terreno, sob pena de ver países concorrentes retirar-lhe a liderança no mercado. Os próprios protestos da Greenpeace foram condenados pelos sindicatos de Alang, que acusam os ecologistas de porem em perigo os seus postos de trabalho e toda a economia da região.
«Há que negociar urgentemente critérios mínimos a nível nacional e internacional e ter em consideração os vários interesses económicos, laborais e ambientais», refere Ravi Aggarwal, director da ONG indiana Toxics Link. Em especial porque o sector se encontra em franca expansão, avisa, em declarações ao EXPRESSO.
«As leis internacionais proibiram na década de 70 a utilização de amianto e de outros tóxicos na construção naval. Tendo em conta o tempo médio de serviço, mais de 3 mil navios construídos antes disso serão desmantelados até 2010», refere.
Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli
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