sexta-feira, 28 de março de 2008
Parliament Street
Fragmentos da leitura
It was not her fault that she couldn't understand, for as Tridib often said of her, the inventions she lived in moved with her, so that although she had lived in many places, she had never travelled at all.
Amitav Ghosh, The Shadow Lines
Aldrabando: Guias no Taj Mahal
Desta vez: à entrada do Taj Mahal, durante o security check, os seguranças e polícias agora já nem permitem aos turistas fazerem-se acompanhar das suas bíblias sagradas, os volumosos guias turísticos Lonely Planet, Rough Guides, Footprint, Frommer's, Routard ou qualquer outro: tal e qual Idade Média, os livros são agora vistos como uma ameaça. À segurança?
Não. Os livros são uma ameaça aos guias oficiais (humanos) que se encontram plantados à entrada e oferecem, de forma insistente, os seus quase sempre insatisfatórios serviços (é muito raro algum deles ter informação interessante que vá para além do que vem nos livros; e mesmo que a tenha, não sabe articulá-la de forma compreensível, refêm dos seus fracos conhecimentos de língua inglesa).
Instados a apresentar o regulamento que proíbe a entrada de um livro, ou a explicar a lógica da interdição, os funcionários balbuciam nervosamente: pode ser uma bomba, diz um; o outro, provavelmente um superior, manda-o calar: não queremos que os turistas fiquem muito tempo, sentados por aí, a lerem, porque isso provocaria congestionamentos e confusão. Nota: os jardins e complexos circundantes ao Taj Mahal são do tamanho de pelo menos cinco ou dez campos de futebol, o bilhete permite explicitamente a permanência durante o dia inteiro no complexo,
É portanto uma mentira, claro. Tenho quase a certeza: os guias oficiais devem pagar um x mensal aos seguranças da entrada, para inventarem esta balela e a contarem aos turistas pacóvios (perspectiva autóctone em rápida expansão). Assim, é natural que muitos turistas optem pelos serviços dos guias que, caso contrário, enfrentariam certamente muito menor procura. Nota adicional: no interior do complexo, o próprio departamento de turismo vende livros, mapas e guias...
terça-feira, 25 de março de 2008
Desestabilizadores
segunda-feira, 24 de março de 2008
Tibete (Expresso)
Entrevista a Sonam Frasi
por Constantino Xavier (correspondente em Nova Deli)
Sonam Frasi é deputado no Parlamento tibetano no exílio (Daramsala, Índia).
Eleito pelo círculo Europa (residente em Londres).
É uma das faces tibetanas mais conhecidas a nível internacional.
Protestos, situação e reivindicações
(O Governo tibetano no exílio, mantém um departamento especial para recolher as centenas de refugiados que continuam a chegar à Índia todos os anos, muitas vezes em condições graves, depois de atravessarem os Himalaias durante semanas, para cruzarem a fronteira).
Comunidade internacional
“As Nações Unidas mantêm um silêncio incompreensível: em quarenta anos a sua Assembleia Geral só adoptou uma ou duas resoluções. Exigimos que envie imediatamente uma missão independente para o Tibete, para se inteirar da situação no terreno e dar a conhecer à comunidade internacional o terror e genocídio que se vive no Tibete”
Interesses europeus
A Oriente tudo e nada de novo (Relações Internacionais nº17)
Na revista Relações Internacionais, nº 17 (IPRI-UNL), integrado no dossier sobre o balanço da Presidência Portuguesa da União Europeia. Resumo:
A Oriente tudo e nada de novo
11 | Março | 2008
Constantino Xavier
As prioridades da presidência portuguesa negligenciaram, desde cedo, qualquer esforço para deixar uma marca europeia a Oriente e a pasta «Índia» passou consequentemente para a categoria dos «serviços mínimos». O artigo argumenta que a diplomacia portuguesa alcançou o seu objectivo de fazer uma gestão corrente das relações União Europeia-Índia/Ásia, mas que, a longo prazo, esta escolha poderá ter custos substanciais para a agenda externa europeia e o posicionamento da UE perante as grandes transformações asiáticas em curso. Identifica ainda mecanismos e instrumentos que visam aprofundar as relações UE-Índia e analisa o momento de transformação e potencial do eixo bilateral luso-indiano.
terça-feira, 18 de março de 2008
Ontem à tarde
Fragmentos da leitura
Compared to the sun of Hindu civilization giving a constant and steady stream of beneficent light, which penetrates the farthest nooks and corners of the world, carrying comfort and contentment to mankind, these civilizations (Egyptians, Phoenicians, ancient Greece, Persia and Rome) were like brilliant meteors that appear in the skies lighting the while, with their short-lived lustre, the heavens above and the earth below.
Har Birlas Sarda, Hindu Superiority (1906)
sábado, 15 de março de 2008
Acordar hoje
Diz-me o que comes... (II)
Aumento médio de preços de 2005 para 2008, em Nova Deli, Índia
1 Euro equivale a 50 Rupias indianas
1 kg de farinha (para as apas, essencial à dieta indiana)
De 0,18 a 0,30 Euros
1 kg de batatas (tal como vegetais, preço flutua muito com as estações do ano)
De 0,10 a 0,16 Euros
1 kg de arroz
Grande variedade de qualidades, entre 0,30 e 1,00 Euros
Em média, inflação de 0,15 Euros/kg/ano
1 litro de óleo vegetal
De 0,80 a 1,05 Euros
Classe média/alta escolhe, por vezes, azeite de oliveira importado, a mais de 2,00 Euros/litro
1 bilha de gás
Preço oficial: 6,00 Euros
Mercado negro: 11,00 Euros
1 litro de querosene (utilizado em substituição de gás pelas classes desfavorecidas)
Preço oficial: 0,16 Euros
Preço privado: 0,70 Euros
5 litros de água engarrafada (garrafão)
De 0,80 Euros a 1,30 Euros
1 kg de frango, em talhos comerciais
De 1,20 Euros a 1,80 Euros
1 kg de Paneer - requeijão (muito comum na gastronomia indiana)
De 1,40 a 2,40 Euros
1 litro de leite do dia
De 0,31 a 0,42 Euros
A Índia vive um fulgurante boom económico: no sector privado, os salários chegam a aumentar entre 30 e 50% por ano, a economia cresce entre 8 e 9% por ano, o governo procura desesperadamente conter a inflação que chega aos 5%.
Prosperidade inédita: estudos apontam para que os índices de pobreza tenham recuado em 10% desde 1997, mas o índice internacional Gini, um coeficiente que calcula a distribuição igualitária da riqueza, reflecte uma subida na Índia (crescimento desigual), desde que o país abraçou as reformas económicas, em 1991: a diferença de rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres tem, desde então, crescido a passos largos. Todos enriquecem a passos largos, mas uns (classe alta e média-alta, essencialmente urbana) mais rapidamente do que os outros (classes baixas, rurais e urbanas).
Assim, é natural que a subida dos preços alimentares tenha afectado, especialmente:
- os mais pobres, que vivem de rendimentos ocasionais (economia informal, que chega a pesar 80% em algumas regiões)
- as zonas rurais, com menor oferta e em que há menos concorrência
A classe média urbana é afectada, mas pouco: consegue cobrir a subida dos preços alimentares com a subida de salários e não tem, por isso, necessidade de alterar a sua dieta ou alterar o seu orçamento quotidiano.
Mas não deixa de ser uma questão explosiva, em termos políticos: a estabilidade do governo depende, entre vários factores (por exemplo, fornecimento de água e energia) directamente da inflação e, em especial, dos preços alimentares, que assim servem de índice de estabilidade política. Há falta de cebolas no mercado, ou o preço do querosene é aumentado, logo há crise política. Embora o mercado alimentar esteja privatizado, este tende a seguir os preços-índice fixados pelo Governo, que mantém uma extensa rede de estabelecimentos públicos (respectivamente para lacticínios, frutas e vegetais ou cereais e grãos).
E há a privatização do mercado do retalho... com as multinacionais à espreita. Necessária num país que perde um terço da sua produção de cereais e vegetais no seu transporte e armazenamento deficiente, ou suicídio para os pequenos e médios empreendedores agrícolas indianos? O debate continua.
sexta-feira, 14 de março de 2008
Comendo em Deli: Guru Prasad Udupi
É uma verdadeira instituição no panorama gastronómico popular do Sul de Deli. O restaurante Guru Prasad Udupi, normalmente conhecido só por Udupi, é uma escolha incontornável, por mais que se queira diversificar (e eu bem tenho tentado).
Há três aspectos particularmente atraentes no Udupi. Primeiro, a comida - pure veg. Diz-se "South Indian", mas é gerido por um punjabi sique (daí o nome híbrido). É uma fusão de paladares, em que o thali do Sul da Índia é preparado à maneira da comida indiana do Norte - apas ensopadas em óleo ghee, vegetais cozidissimos e, claro, o feijãozinho e as lentilhas dal. Só assim se comprende que o menu do Udupi seja capaz de oferecer um paradoxal North Indian Thali, mas que, por pouco menos de 100 Rupias, é uma excelente opção (dá para duas pessoas). Em geral, uma refeição média custa pouco mais de 200 Rupias.
Segundo, a localização: no topo de um centro comercial, com um imenso terraço para o outono, inverno e primavera, e interiores ar condicionados para o verão. É bastante limpo e o serviço é extremamente atencioso. Terceiro - e sim, estou a despachar-me, porque vou lá jantar - a clientela, que é extremamente interessante a nível sociológico. Uma mistura saudável e muito observável de classe média (especialmente ao jantar: famílias obesas), professores e estudantes da universidade vizinha (JNU), profissionais liberais (especialmente ao almoço) e, de vez em quando, turistas e expats.
A evitar: a secção Chinese Food, vegetariana e insonsa. Recomendo, em especial, os pratos do menu South Indian que são feitos à base de côco - é sempre um saborzinho que faz lembrar o Sul.
Fragmentos da leitura
"Indians in India, who ha(d) no previous experience of being written about from the diasporic point of view, did not know how to read Naipaul's book, and were surprised not so much by its content, though that was painful enough, as by its tone of indignation and superiority."
Lord Bhikhu Parekh, sobre An Area of Darkness
quarta-feira, 12 de março de 2008
Na cantina
terça-feira, 11 de março de 2008
Fragmentos da leitura
LOK SABHA
UNSTARRED QUESTION NO 133
ANSWERED ON 01.12.2004
UFO SIGHTING
133. SHRI PRABHUNATH SINGH
Will the Minister of SPACE be pleased to state:-
(a) whether during a recent scientific expedition in Himachal Pradesh, a Scientist of the ISRO`s Space Application Centre sighted an unidentified flying object (UFO) and took photographs of the object;
(b) if so, whether the photographs of the floating object have been analysed;
(c) if so, the details thereof;
(d) whether the UFO is suspected to be an espionage device; and
(e) if so, the reaction of the Government thereto stating the suspected place of its origin?
Papéis de Deli: Livro da biblioteca
segunda-feira, 10 de março de 2008
Nós e Goa (Atlântico)
Passagem para a Índia, Constantino Xavier em Nova Deli
Revista Atlântico, nº36, Março 2008, pgs. 33-34
Nós e Goa
"Um português que se preze e se preocupa com a imagem e o lugar de Portugal no mundo, só pode sair incomodado e envergonhado de Goa. O que de lá sai orgulhoso e realizado deixa-se iludir pela monumentalidade do património arruinado e da herança cultural lusófona em diluição acelerada, e pactua assim com a negligência crónica que afectou a nossa política para Goa, e a Índia em geral, desde o restabelecimento de laços diplomáticos com Nova Deli, em 1974."
PVR Premiere
Select Citywalk, Saket, Sul de Deli. O novo templo do consumo da capital indiana, recém-inaugurado. Não cheira a novo (cheira mal), mas as pessoas cheiram bem e pavoneiam-se pelos longos corredores, de carteiras na mão, com os cartões de crédito prontos para serem sacados. É esta a terra sagrada (e prometida) para a nova e tão falada classe média indiana.
Treze minutos na bicha, para comprar os bilhetes. É Sexta-feira à noite, hora de ponta do entretenimento cinematográfico em Deli, mas só funcionam duas das três bilheteiras (para 9 salas), sendo que uma é reservada para a hiper-VIP Gold Class.
Chega a nossa vez. Não há intercomunicador. A pequena abertura no vidro, à altura do meu peito (e eu não sou alto), obriga a uma comunicação deficiente, ainda por cima porque o funcionário vai falando comigo como se não existisse vidro separador. Não há possibilidade interactiva de escolher os lugares. Começo por esboçar uma reacção, um pedido, e sou prontamente interrompido e despachado: Ok, good seats, sir, good seats.
O interessante é que num outro complexo da mesma rede (PVR), mais antigo (anos 90), não só há quatro bilheteiras para uma única sala, bem como intercomunicadores e ecrãs interactivos que permitem escolher os lugares. Os preços cobrados são inferiores em 50%, em média.
Ainda não jantei, mas para evitar os custosos super-combos, opto por um Chicken Hotdog (75 Rupias, 1,20 Euros). Ao contrário do que é anunciado pelos reluzentes ecrãs televisivos, por cima da cabeça do funcionário, este entrega-me o que parece ser (e assim sabe) um papo-seco de há três dias, barrado com manteiga e cenoura ralada e com uma salsicha ainda fria. E um pacotinho de ketchup. Já vai ele a atender o cliente seguinte quando esboço uma reacção e lhe transmito o meu descontentamento. Responde-me com um sorriso silencioso e entrega-me um pacotinho de mostarda.
O filme é suposto começar às 22:55. As portas da sala abrem às 23:04. Segue-se o típico wild west indiano a que se assiste em qualquer ponto-funil. Uma espécie de jogo infantil: ver quem chega primeiro ao destino (neste caso, o lugar dentro da sala) - e vale absolutamente tudo (neste caso, empurrões, cotoveladas).
Ficamos sentados na segunda fila da frente, na ponta esquerda. É humanamente impossível assistir à película desta forma (e nem falo de critérios mínimos cinéfilos). Como sempre, em Roma sê romano e tentamos adaptar-nos. Impossível. Vou ter com um dos funcionários e explico-lhe que noutras salas da mesma rede, paga-se menos por lugares nas primeiras cinco filas (front stall) (50 Rupias) e que não vejo porque é que me cobram 200 Rupias (já agora: um quinto do salário de uma empregada doméstica a 64 horas/mês). Desculpa-se com um the house is full, sir e, a meu pedido, promete-me educadamente trazer o complaint form para eu poder apresentar as minhas queixas.
Ainda bem que o filme é uma porcaria (10 000 BC). A meio irrompe uma discussão entre alguém na nossa fila e na de trás. Berros, insultos. Silêncio de novo.
Intervalo: ficamos sentados e recomeça o circo. Dez minutos de anúncios publicitários, com volume a dobrar. O funcionário a que me dirigi antes do início do filme aproxima-se de mim com um bloco de notas e caneta na mão. Fico impressionado, afinal eles até funcionam bem. Sorry, sir, would you like to order anything, coke, pop corn? ...
O filme recomeça. Outra vez, interrompe-me: Sorry, sir, would you like to order anything, coke, pop corn? A segunda parte é menos sonora. Infelizmente: por vezes ouve-se a música de fundo que passa nos corredores do centro comercial, ou alguma parte de outro filme que está a ser exibido na sala ao lado.
Fim. Sai tudo a correr, cenário igual ao da entrada. Para evacuar uma sala para 300 ou 400 pessoas, o acesso de volta ao centro comercial faz-se por uma escadinha de dois metros e meio de largura. É natural: o cliente já pagou e consumiu, portanto agora que vá à sua vida e se lixe.
sábado, 8 de março de 2008
Langur
Há semanas que um imponente langur, um símio, (como este na foto) nos faz companhia, em frente ao nosso edifício. Atado com uma corda a um banco de jardim, passa os dias a observar o trânsito e as pessoas que passam. Nunca percebemos porque é que ele passa os dias ali sentado, comendo fruta e nozes que os transeuntes e vizinhos lhe oferecem. Talvez o seu dono trabalhasse por aqui, pensámos.
Ontem, ao vê-lo saltitar pelo jardim infantil que fica aqui ao lado, percebi. Estava a trabalhar: os langurs são receados pelos outros macacos que, de vez em quando, fazem raides violentos a este bairro e, em especial, ao jardim infantil que com as suas crianças apresenta um alvo muito apetecível. Confirmei depois com um guarda aqui na rua: pelo trabalho do langur, o seu dono recebe um salário de 5000 Rupias ao mês, quase 100 Euros.
Trânsito
sexta-feira, 7 de março de 2008
sábado, 1 de março de 2008
Cruzamentos
Depois, com o passar do tempo, passei a dominar a arte autóctone e ganhei uma imunidade poderosa, fria e cruel aos olhos do visitante ocasional, normal e necessária para quem vive a sua vida diária em Deli.
Acho que entrei agora numa nova fase, possibilitada pela minha crescente expressão vernacular, mas também renovada abertura e segurança: fustigado pelo calor e pelos gases de escape, rodeado de chapa automóvel e olhares entediados, começei a encetar conversas com os meninos, trocando nomes, idades, proveniências, famílias e quotidianos, naqueles breves segundos e minutos em que o sinal nos manda parar.
No fim, costumo dar-lhes uma nota em troca de uma revista que vale uma moeda e ficam sempre muito felizes, mais do que quando lhes dou um lápis. Eu sei que depois, muito provavelmente, entregam a notinha cor-de-laranja, com o Gandhi, ao pai que a junta a umas poucas mais, para à noite se embebedar com uísque e depois lhes bater.
Alguns já me reconhecem, e eu lembro-me das suas histórias e dos seus nomes. Não é fácil, porque geralmente desaparecem ao fim de algumas semanas. Mas às vezes, muito raramente, a recompensa é tremenda, quando, meses ou talvez mesmo um ano depois, nos voltamos a encontrar, num outro cruzamento.