sábado, 30 de junho de 2007

Batalhas aéreas indo-turcas

Acordo, a meio do vôo Istambul-Deli, com vozes exaltadas logo à minha frente, entre os lavabos e a cozinha:

- "You bitch, give me my vegetarian food or you'll see. Now, you hear, now!"


- "You shut up, shut up!".


- "You shut up, who are you telling to shut up? You don't know who you are talking to."


- "Shut up now and get seated or I will call the police when we land."


- "You know who I am? You know who I am? I am the friend of Minster of Police, Delhi state. You will see. You call the police and I will get you arrested the minute we land".


Os passageiros vão acordando do seu sono leve. A discussão, entre um passageiro indiano visivelmente alcoolizado e uma hospedeira turca algo irritada, continua com dedos em riste e empurrões, mas acalma-se com a chegada de mais hospedeiras e com a intervenção de um ou outro passageiro. Os ânimos acalmam-se e volta tudo ao seu sono.


A história nos vôos entre a Europa e a Índia costuma ser sempre a mesma, mas nunca tinha visto chegar uma batalha cultural a este ponto. Chamo-lhe de batalha cultural pelos seguintes motivos.


Por um lado, as hospedeiras turcas (ou outras europeias) costumam encarar estes vôos para a Índia com muita má vontade. São vôos longos em que é norma várias dezenas de passageiros indianos se embebedarem e criarem problemas, por vezes violentos. O embarque faz-se aos empurrões, à boa maneira indiana, os lavabos começam a feder de forma insuportável a meio do vôo, o avião está ainda na pista de aterragem e já estão todos de pé, no corredor, para saírem a correr, e a forma arrogante como muitos passageiros tratam as hospedeiras leva a que se crie logo um clima de tensão e de reacção por parte do serviço de bordo, geralmente pouco simpático e mais rude do que noutras rotas aéreas.


Por outro lado, os indianos, de volta de um continente onde não por poucas vezes foram discriminados racialmente e tratados como pessoas de segunda, com a chegada a casa no horizonte, aproveitam para se vingar do que sentem ser a arrogância cultural ocidental. O avião, a poucas horas de aterrar na sua cidade capital, com umas poucas hospedeiras serventes em estatuto minoritário, apresenta-se como um campo de batalha ideal.


Ambos os lados agudizam então as suas posições. As hospedeiras traumatizadas pelas batalhas aéreas anteriores, na mesma rota, e os indianos respondendo à forma brusca como elas os tratam e às eventuais experiências negativas que tenham tido durante a sua estadia na Europa.


Encontra-se assim, na minha opinião, contextualizada a batalha aérea indo-turca a que assisti esta semana, entre Istambul e Nova Deli.

1 comentário:

  1. Caro Constantino,

    Se tivesses tido a oportunidade de viajar na TAP e se o Sr. indiano ébrio não fosse vegetariano diria que um bacalhauzinho regado com um tinto alentejano poderia ter ajudado a solucionar o problema!

    Henrique CS

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