Há dois anos, quando entrevistei o embaixador português na Índia para o meu Supergoa.com, ele queixava-se com certa razão de que "os portugueses ainda têm a imagem da Índia do encantador de serpentes". Eu acho que o problema é capaz de ser outro. Não há imagem nenhuma da Índia.
É verdade, as miúdas que andam lá na minha faculdade na Avenida de Berna de dia e que polvilham as ruelas do Bairro Alto de noite (ou será ao contrário?) já andam de mochila, saia e blusa indiana. É verdade, os 600 turistas portugueses que visitavam Goa (para não falar da Índia) anualmente nos anos 90, passaram a ser alguns poucos milhares agora. Sublinhe-se o adjectivo, no entanto. E é verdade, já não só os saudosistas, salazaristas e militares a falar da distante Índia.
Mas, no fundo, a Índia continua a ser uma imensa mancha negra no mapa-mundo português. Eu notei isso quando anunciava que lá ia, há um ano. Houve reacções de oposição e de encorajamento, mas, na sua grande maioria, as pessoas dedicaram-me uma expressão facial interrogativa enorme e desesperada. Não sabiam o que dizer. Hesitavam. Alguns refugiavam-se no discurso rebelde de que "só faz é bem, ir lá para fora", incluindo a imensidão indiana no saco-cabe-tudo do "lá fora". Outros perguntavam-me se continuaria a estar acessível por e-mail.
A Índia continua assim refém do que eu chamaria "um fosso geracional". Os mais velhos, que por lá andaram nos anos 50, filhos do Império português (que interessantemente, segundo uma tese a publicar por Francisco Bethencourt, no King's College London, nunca terá existido) estão em vias de desaparecimento, para além de estarem conotados com sectores conservadores pouco na moda. Uma geração intermédia tem claramente mais que fazer, como em Bruxelas ou até no Brazil e em África (poucos), e vive também sob o manto do trauma colonial. Finalmente, os mais novos, a geração sub-30 e mesmo sub-40, tende a perguntar-me como é que está a construção da barragem e a preservação das gravuras rupestres quando lhes falo em Goa. Há que redescobrir a Índia, parece-me.
Perdoem-me o meu tom que pode parecer censurador. Mas eu mesmo hesito muitas vezes. Fazem-me crer que sou um Fernão Mendes Pinto do século XXI, mas na realidade não sou mais do que um estudante internacional em mobilidade. Mobilidade contra a corrente? Nem por isso. 2000 km acima de nós a maioria dos escandinavos tiram pelo menos um ano depois do secundário para viajarem pelo mundo não-ocidental ou para fazerem estágios no apoio ao desenvolvimento nos países que os meus colegas chamariam "os mais encavados". Nova Deli capital terceiro-mundista? Nem por isso. O que iriam para lá fazer tantos chefes-de-estado nestes últimos meses, a não ser negociar contratos de investimento, aumento de "green cards", programas de intercâmbio e pacotes de armamento?
Mas há mudança. Contrastando com o enorme vácuo de há um ano, as pessoas que me encontram agora já dizem algumas banalidades. Normalmente comentam que a Índia "tá em grande nas tecnologias da informação e nos computadores e nisso tudo", claro que nunca deixando de fora o comentário mais ou menos jocoso (depende se estou aqui no Rogel com o meu mecânico ou com um licenciado em Lisboa) que "eles também são mais que as mães / são marrões / são inteligentes e trabalhadores". E o comentário bónus é sobre a questão militar porque "eles têm capacidade nuclear" e depois vêm umas palavras complicadas como "proliferação" ou banais como "ainda nos caem as bombas na cabeça". E há também leve mudança porque vejo que entre as gerações mais novas de portugueses – mesmo que décadas em atraso comparativamente às suas congéneres europeias – já há mais pessoas a abrir os olhos e a fazer as malas, explorando as manchas negras do nosso mapa-mundo que em tempos foi o melhor do planeta.
Espero que possa haver mais mudança. Aliás, é surpreendente a parca informação sobre a Índia que cá chega. Mas isso fica para outro apontamento.
Não preciso de me identificar com nenhum dos grupos que referiste, mas tenho em mim um pouco de todas as impressões que enumeraste... Talvez por nunca ter perdido tempo a ler mais. Por nunca me ter verdadeiramente interessado. De facto, a Índia ainda é um conto das mil e uma noites de onde se diz que, ao mesmo tempo que a pobreza se manifesta, as altas tecnologias ganham, contraditoriamente, espaço. Cabe a pessoas como tu mostrar-nos que não é bem assim. Que há um outro lado. Fico à espera. E acredito em ti. Claro.
ResponderEliminarBeijos, da tua fiel leitora, Nádia.
Não entendo porque é que as pessoas fazem da Índia, ainda hoje um recanto algures no oriente escuro e sub-desenvolvido!! Mas é como dizes é pouca a informação que chega a nós ainda hoje...
ResponderEliminarNamastê.
Bjs*
Tema interessante, sem dúvidas.
ResponderEliminarSobre o desconhecimento da India e companhia, gostava apenas de acrescentar o seguinte: parece-me normal que muitos estudantes lisboetas nao saibam nada sobre a India se nem sequer se interessam pelas Beiras, pelos Açores etc. Creio que quem se interessa pelo mundo, pelo conhecimento se informa de tudo: do que há perto (é mais fácil), do que há longe (é mais díficil, mas igualmente possível). As pessoas que nao têm grandes interesses para além de gajas (ou gajos), a moda, o futebol e outras banalidades e vivem num mundo Hollywoodesco é claro que nao sabem nada da India. Mas se lhes fores perguntar sobre a situaçao de sub-desenvolvimento do interior português também de certeza que nao te saberao dizer grande coisa.
Onde quero chegar é que a falta de conhecimento sobre a India & Co. é apenas um sub-problema da falta de interesse em geral.
Para rematar o meu mega-comentário, referir que desde que estou em Zaragoza tenho viajando muito e estudado muito a regiao de Aragao, e ao falar com os meus colegas espanhóis chego à conclusao que muitos nunca foram aos Pirinéus (a 3h de Zaragoza...) nem se interessam por nada que seja viajar, conhecer, ajudar...
Hasta. O Aragonês