Talvez tenha sido precipitado. Talvez me tenham feito precipitar ou sentir precipitado. Na realidade sinto que devo partilhar convosco a minha visão de um Titanic em naufrágio em que a orquestra ainda vai tocando e acreditando na invicta superioridade. Talvez simplesmente mais um meu intróito estrangeiro aliado à minha necessidade crítica e à minha frustração com o que me rodeia tenha levado a isto.
Antes de intervalar deixem-me então explicar melhor aquilo o que me tem ido na alma.
Primeiro, falar em decadência para mim só faz sentido no Ocidente. Porque é este pedaço do mundo, é esta civilização que sempre defendeu a ilusão da evolução e do progresso e das utopias. E que para isso expandiu a sua utopia e os supostos instrumentos para a alcançar por todo o planeta. É essa a responsabilidade do Ocidente. Como se relaciona hoje a civilização ocidental com essa tarefa, como a instrumentaliza, como a explica ou como a nega?
Segundo, falar em decadência ocidental para mim é acima de tudo uma análise do homem. Dos sentimentos, dos valores, da felicidade ou da infelicidade, da integridade ou da hipocrisia, da rectidão ou de malabarismos. A minha perspectiva é social e moral. Mas obviamente está ligada ao material, tanto na forma da matéria palpável como da matéria como resultado de um sistema de produção. Como vive hoje o homem nas sociedades ocidentais? A que aspira e quais os fundamentos que nutre para atingir os seus objectivos?
Terceiro, falar em decadência ocidental não significa conservadorismo. Significa justamente o oposto. Significa reivindicar uma ruptura com o letárgico arrastamento de algo que se prolonga em mediocridade em vez de se aprofundar em excelência. Algo que permanece porque ninguém ainda se deu conta da sua inoperabilidade ou porque ninguém quer dar conta disso. Falar em decadência pode ser conservadorismo se se defender integralmente a adopção de um sistema de ideias, valores e estruturas do passado. Não é o meu caso, com bem sabem. Qual o sistema prevalecente e o porquê da sua crise? Transformação ou ruptura, mudança ou fim?
Quarto, falar em decadência ocidental não significa uma leitura evolucionista. O mundo ocidental não tem nem decaído progressivamente, nem progredido progressivamente. O mundo ocidental simplesmente acreditou que podia e teima em perceber que deixou de poder, se é que alguma vez pôde alguma coisa. O Ocidente deixou de ser ocidental, se é que alguma vez o foi. O Ocidente faz parte de um ciclo, por mais que lhe custe e por mais que tenha tentado fazer a roda parar. O que me preocupa é se na sua cega procura de uma roda melhor transformou de facto a roda planetária irremediavelmente. Qual o impacto desta utopia ridícula? Como medir o resultado?
Quinto, falar em decadência leva-me a registar que houve mundo chinês, houve mundo árabe, houve mundo romano e houve mundo inca. Paradoxalmente, quando o mundo ocidental mais se assemelha ao mundo na sua totalidade planetária, é também no seu coração que a decadência se dá. Mas é tarde de mais. Como reverter, parar, anular, domar o processo? Como explicar às Américas, às Áfricas, às Ásias? Como reparar a roda e manter os seus diversos raios intactos? Ou já nem há raios na roda?
Mas, sexto, falar em decadência ocidental em princípio nem me obriga a falar em outras potenciais decadências civilizacionais, nem necessariamente estabelecer comparações. Não sou forçado a forjar o Oriente para perceber o Ocidente. Vivemos hoje num planeta claramente ocidentalizado, mais ou menos, pouco interessa. Por isso é preciso analisar o Ocidente porque é ele que engendrou o que hoje vivemos, para bem ou para mal. Por isso basta analisar a decadência do Ocidente e perceberemos como tudo se sonhou e um dia passado se fez e como tudo no presente se desfaz, ou não.
Ficam algumas explicações. Deixarei de massacrar-vos com a "decadência do mundo ocidental". Continuarei com a verdadeira vida em Deli. Mas agora poderão ler apontamentos meus com outros olhos, espero. E vir ver à Índia também porque é que o Ocidente está, estará ou sempre esteve em decadência.
Acho que tens razão. Deves amadurecer as tuas ideias e resistir a euforias retóricas. O teu argumento só tem a ganhar com isso. Mas não desistas de dizer o que pensas!
ResponderEliminarum abraço,
j.
Muito boas suas colocacoes, vivo no outro lado do eixo mundial e tenho comteplado a cegueira ocidental (anosognosia)de uma civilizacao que recusa a acreditar na sua propria decadencia.
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