Onde acaba a terra? Talvez ali à frente. Onde estão os monstros? Talvez prontos para nos engolir. Onde estão os selvagens? Talvez a ferver água para nos cozinhar. Onde estão os mosquitos? Talvez a lamber os lábios para nos sugarem o sangue. Onde estão os inimigos? Talvez a afiarem as espadas para nos degolarem. Avante!
Onde está o meu telemóvel? Talvez no carro. Onde estão os meus amigos? Talvez ali no bar da esquina. Onde estão os saldos? Talvez já nas Amoreiras. Onde posso ver sexo? Talvez no canal 18. Onde posso passar as férias? Talvez no Algarve. Tens a certeza?
É o último. Das centenas de nobres lusos que há poucas horas ocupavam religiosamente os baluartes e as muralhas só resta ele. Os mouros apanharam-nos de surpresa. Morreram todos. E a mim deixaram-me viver. Porque eu lhes disse que lhes iria mostrar o local secreto em que guardámos o tesouro que vai para o reino. Segue com uma tocha na mão, iluminando os túneis subterrâneos da fortaleza africana. Centenas de mouros ávidos seguem-no, os olhos brilham, é o tesouro tão esperado pelo qual esperaram 5 meses de cerco. Quando ele chega, ao paiol, e não ao tesouro, vira-se, sorri para o inimigo e lança a chama, lançando todos para outro mundo. Coragem.
Não saí do hotel, quase. Aquilo era uma porcaria. Cheirava mal, especialmente. E até havia vacas a andar pelas ruas. Tantos mosquitos que perdi de certeza uns litros de sangue. E perigoso, porque estavam sempre a fazer perguntas a ver se me raptavam. Eu não falava com ninguém, preferia ficar no autocarro e deixar o grupo seguir para as visitas. Nunca mais volto. Esses países são perigosos. Ainda rebenta uma guerra e depois fico lá para sempre ou cai-me uma bomba na cabeça. Para a próxima peço ao Pedro para deixar de inventar e marcar um Spa no Brasil, lá pelo menos percebe-se o que falam. Cobardia.
O português mudou. Há 500 anos embarcava no Rio Tejo com a certeza que provavelmente nunca voltaria a ver a sua terra. Com a certeza que casaria, morreria numa terra de que nunca ouviu falar e que com sorte ele mesmo descobrirá. Conquistava rios, montes, continentes e oceanos. Descobria terras, povos e culturas. Construía igrejas, fortes e palácios. Deixava rastos de suor e sangue, mas deixava rastos. Há 500 anos o português acreditava e por isso tinha certezas. Hoje vive acobardado na eterna procura das certezas e das seguranças, sem crença nem rasto.
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