sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Filmes de Deli: Taare Zameen Par



É um dos melhores filmes indianos que já vi. Aamir Khan já não precisa de me convencer. Faz parte de uma geração de actores e directores indianos mainstream que começam a inovar, a procurar escapar à gigantesca silly industry em que Bollywood se transformou na última década, correspondendo ao boom económico e à febre consumista.

O que é interessante, talvez menos em Lagaan, mas mais em Rang de Basanti, e particularmente neste Taare Zameen Par (TZP), é a emergência de um classe de filmes intermédios, entre o Bollywood palhaçada e o cinema-indiano-para-ocidental-ver, de Mehta e Nair. De vez em quando até gosto de ver três horas e meia de carnaval mumbaikar na tela e ignorar os cortes mal feitos, o pé de uma assistente ou um relógio digital no pulso de um herói medieval. E de vez em quando também gosto de ver Mehta e Nair, porque é, de facto, cinema de excelência, embora para mim não seja cinema indiano per se e eu desconfie, à partida, da obsessão diaspórica em construir pontes interculturais e digerir a diferença autóctone para o Outro não a ter que mastigar.

Portanto, para além dos clássicos bengalis, a preto e branco, não restava muito. Mas Aamir Khan traz algo de novo. TZP é um filme pensado e executado com cuidado, uma raridade. Pega numa narrativa marginal, um menino disléxico que enfrenta a ignorância e a discriminação de tudo e de todos. Junta-lhe uma fotografia original (aqueles bonecos fantásticos a gravitarem à volta da cabeça do miúdo na parte inicial) e uma música excepcional (a profundidade original dos xilofones).

A crítica recebeu o filme com uma ladaínha de elogios. Interpretou a celebração da infância. Sublinhou o apelo ao respeito e à defesa da diferença, focando aqueles longos planos com as crianças deficientes mentais em júblio, num palco escolar. Saudou a função pedagógica dos pais e a importância da unidade familiar, representada naquele momento de despedida, em que o jeep arranca da escola nos Himalaias e o nosso pequeno herói fica para trás e chora convulsivamente, separado de quem mais ama. Será por estas razões que o Governo decidiu isentar o filme dos impostos e das taxas habituais, incentivando assim o público a visioná-lo.

Mas esquecem-se todos do que será talvez o propósito principal que guiou este projecto de Khan. Uma crítica monumental ao sistema de educação e ao estilo de vida que estamos a adoptar, tanto na Índia como no desenvolvido Ocidente (ou talvez mesmo mesmo mais aqui). A pressão extrema, a competitividade cega e a proibição de falhar, não só logo na pré-primária (exames aos três anos de idade), mas também no adulto mundo profissional. A dislexia, a crise familiar e a pressão social - tudo se dissolve com a ajuda de um professor (Khan) que encontra a resposta na pintura e encoraja o menino a superar as suas deficiências, e assim ser re-assimilado pela sociedade. É por isso que as cenas e a letra de Jame Raho (vídeo abaixo) são, pelo menos para mim, um dos momentos mais simbólicos e mais bem conseguidos de TZP.

O facto de tudo acabar em bem, mesmo com muitas lágrimas nos olhos, é no entanto inquietante. Suspeito que contribui para que a mensagem crítica não passe com a eficiência desejável, pelo menos para o grande público. Tudo se resolve e o pequeno Ishaan torna-se normal, e até sobredotado em termos artísticos. Para o imaginário indiano contemporâneo é a prova de que o sucesso é alcançável, até para os mais desfavorecidos e discriminados, porque haverá sempre um Aamir Khan por perto para os ajudar - eu é que não porque tenho que entrar no IIT ou no IIM.

Ou talvez me engane e subestime a capacidade interpretativa dos que sorriram e choraram ao meu lado, enquanto falavam ao telemóvel, comiam pipocas e coçavam os seus escrotos. Talvez TZP contribua mesmo para que haja mais e mais Aamir Khans a apoiarem muitos mais Nishaants.

2 comentários:

  1. aahah que boa memoria, vi isto o mes passado num cinema em n.deli depois de ter sido revistadissima pela segurança varias vezes! Adorava encontrar uma loja que vendesse estes filmes aqui em Lisboa, mais não fosse para ler as legendas :p

    bom blog, tenho saudadesss da india! keep sending it to us!

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