Talvez me engane. Talvez seja severo demais na apreciação das capacidades do novo Portugal de redescobrir o mundo. O que me fez repensar essa minha avaliação, entre outros, foi a visita à Índia dos meus dois amigos e ex-colegas na Nova, Henrique Antão e Henrique Mateus, em Setembro passado.
A minha perspectiva crítica acerca da imagem da Índia no Portugal contemporâneo e em geral da imagem do mundo extra-europeu prevalecente em Portugal merece pois uma adenda. Há sim, novas gerações lusas à redescoberta do mundo. São uma minoria, por enquanto, mas em rápido crescimento.
Há os estudantes portugueses que escolhem prosseguir os seus estudos por um ano no estrangeiro, no âmbito do programa Erasmus. E há o crescente número de mochileiros portugueses que abandonam tudo para viajar pelo mundo fora durante vários meses. Encontrei uma vez um casal desses em frente à Embaixada portuguesa aqui em Deli, os dois a roçar os trinta, casados. O circuito, quase sempre por terra, tinha-os levado de Lisboa a Moscovo, depois pela Ásia Central, China, Vietname, Tailândia, Myanmar até à Índia. Preparavam-se para seguir para o Paquistão, Irão, depois cruzarem o Médio Oriente pela Síria, Israel e Egipto, para finalizarem a viagem pelo Norte de África, via Marrocos. Ah e tal, excepção à regra, dirão. Certamente. Mas pelo menos já há excepções.
Quanto à Índia em específico, tenho observado o mesmo fenómeno. Contra as enfermeiras dos Centros de Sáude que exclamam "Ai minha Nossa Senhora, para a Índia é que não vá, menino, fique mas é em casa" quando os meus amigos pedem as vacinas e recomendações médicas necessárias, e contra demais Velhos do Restelo que pontuam a paisagem intelectual portuguesa, há um crescente número de jovens que têm vindo à Índia. Quase que não há semana em que não receba um pedido de informação ou pedido de acompanhamento da parte de amigos ou conhecidos que pretendem visitar a Índia. O mais interessante é que antes de partir me cobrem com avalanches de dúvidas e receios, mas uma vez aqui, perco-lhes rapidamente o rasto, diluindo-se rapidamente na lógica indiana, para reemergirem já em Lisboa com um "Obrigado, foi fantástico e quero voltar".
Goa joga obviamente um papel importante, porque é sem dúvida uma das pontas do cordão umbilical lusófono multilateral que liga Lisboa a tantos povos e culturas pelo mundo inteiro. Gosto de passear por lá na companhia de quem a visita pela primeira vez, porque dá-me a mim mesmo a oportunidade de redescobrir o que pensava já ter descoberto há muito.
Essa oportunidade foi-me novamente dada, em Setembro último, pelos meus dois amigos Henriques. Um de Loures, o outro do Barreiro, licenciados e formados, em vias de integrar a função pública portuguesa em nobres postos e prometedoras carreiras, são para mim um dos avatars mais típicos da nova geração portuguesa, ávida em alargar horizontes e renegociar relações de amizade com aqueles e aquilo que nos acompanhou, para bem e para mal, durante cinco séculos.
Em menos de duas semanas os Henriques galgaram quase 8000 quilómetros indianos, de avião, comboio, autocarro, carro, riquexó, elefante e mesmo a pé. De Goa a Srinagar cobriram o que havia a cobrir e redescobriram aquilo o que as veias lhes mandavam redescobrir. Quase sem dormirem, contra as intempéries e climas adversos que assolam o subcontinente indiano em Setembro, com humor e interesse, mas acima de tudo com frontalidade e sinceridade, olhando o estranho afinal tão familiar directamente nos olhos, reconquistaram a Índia.
Foto: Forte de Corjuém, séc. XVIII, Goa, Setembro 2005
Olá Constantino Xavier. Tenho lido alguns dos seus escritos, pois estou a tratar da imagem da Índia em Portugal, para apresentação de um poster. Gostaria de lhe perguntar, visto constituir um depoimento valiosamente válido e conhecer a realidade indiana e portuguesa, que opinião tem sobre a imagem da Índia em Portugal e sobre as relações entre Portugal e a Índia. Muito obrigada. Célia Belim
ResponderEliminarTerei todo o gosto. Mande-me por favor um mail para constantinox@hotmail.com .
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