Agosto passado. Estivemos mais de uma semana sem uma gota de água em casa. Durante esse período a bomba de água foi aberta por quatro canalizadores diferentes que avançaram com quatro teses e quatro orçamentos diferentes. Um quinto adivinhou uma fuga de água na parede do vizinho de baixo. Como não havia humidade sequer, recusámos.
Um sexto canalizador voltou à tese do primeiro, que tinha sido ridicularizada pelos congéneres intermédios: a fuga tinha sido provocada a uma dezena de metros de distância, por umas obras realizadas na conduta de gás natural. Em menos de duas horas, abriu um fosso e resolveu o problema. Uma semana, seis canalizadores e dezenas de chamadas telefónicas com o dono depois, voltávamos à civilização. Na foto, o canalizador Gopal já a fechar a obra.
domingo, 16 de setembro de 2007
India Shining
Black out, durante quase todo o dia de ontem e partes da noite. Passeando por uma rua escura, de copito de chá na mão, um amigo naga observa, sarcasticamente: "You see, how India is shining?".
sábado, 15 de setembro de 2007
Leituras de Deli: Deli (Khushwant Singh)
O meu amigo João há mais de um ano que me o recomendava. Armado em especialista deliense, com mais que fazer, fui adiando a leitura até ao dia em que finalmente, acotovelado no meio de dois punjabis num apertado avião da Turkish Airlines, o ataquei.
E explica-se assim, mais uma vez, porque é que me deixei entusiasmar tanto por este Deli. Dá-me a conhecer uma Deli que só raramente se me apresenta, que só com muito esforço consigo imaginar à minha volta, mas que, aqui e acolá, continua a resistir aos ventos da mudança. Uma Deli omnipresente, mesmo que em rápido desaparecimento. É uma Deli que habita Defence Colony, que sobrevive em Chandni Chowk, nos Ambassadors e Marutis cobertos de ferrugem na minha rua, no gigantesco tomo em que o funcionário anota o número do meu recibo, ou nas ladies que ocupam as primeiras filas de um concerto de música clássica no India International Centre e exclamam repetidamente marvellous! .
Talvez por eu nele reconhecer alguns elementos dos meus adorados Naipaul e Houellebecq. Talvez por o ter subestimado durante tanto tempo. Ou talvez porque narra uma vida em Deli que me é tão familiar. E finalmente, talvez por ter sido objecto de uma tradução exemplar (Luís Coimbra), de uma qualidade só raramente vista em Portugal (especialmente porque informada historicamente, culturalmente e geograficamente).
Uma narrativa solta e sincera que foi capaz de me iludir, por completo, no que concerne a sua situação temporal. Não me refiro aos saltos cronológicos seculares, da Idade Média, dos tugluques e dos mógois ao presente.
É mesmo a situação contemporânea que é contenciosa: por vezes parece que estamos ainda na Deli pacata pré-liberalização económica, capital das elites e em que tudo - da política e dos negócios ao amor - se fazia lentamente, com a calma que caracteriza qualquer civilização milenar. Uma capital em que o poder residia nas mãos de poucos, em que uma elite opulenta se encontrava no hoje decadente Gymnkhana e por lá, à volta de uma cup of tea, decidia o destino de milhões. Mas há também rasgos de uma Deli já pós-moderna, em que os Ambassadors são substituídos por Mercedes, em que as avenidas largas se encontram polvilhadas de soldados de metralhadora em punho e em que se fecham negócios multimilionários e se discute a ratificação de tratados estratégicos nucleares.
Durante a leitura inclinava-me para a primeira opção, confirmada agora por uma ida ao Wikipédia: a obra foi lançada em 1990, portanto antes do frenesim das reformas económicas e das transformações profundas de que a capital foi alvo.
E explica-se assim, mais uma vez, porque é que me deixei entusiasmar tanto por este Deli. Dá-me a conhecer uma Deli que só raramente se me apresenta, que só com muito esforço consigo imaginar à minha volta, mas que, aqui e acolá, continua a resistir aos ventos da mudança. Uma Deli omnipresente, mesmo que em rápido desaparecimento. É uma Deli que habita Defence Colony, que sobrevive em Chandni Chowk, nos Ambassadors e Marutis cobertos de ferrugem na minha rua, no gigantesco tomo em que o funcionário anota o número do meu recibo, ou nas ladies que ocupam as primeiras filas de um concerto de música clássica no India International Centre e exclamam repetidamente marvellous! .
A Cavalo de Ferro está assim de parabéns. Apresenta aos leitores portugueses mais do que um simples romance neo-orientalista, na linha do que têm oferecido os muitos escritores indianos chic no Ocidente. Apresenta uma magnífica porta de entrada para o subcontinente, em que o enquadramento histórico se lê como um livro de aventuras e em que o passado recente dos anos oitenta nos serve de referência e Norte na descoberta de uma Deli do presente que soluça por orientação.
Desilusão
Pela parca quantidade de comentários que este espaço recolheu durante estes últimos quinze dias de silêncio, só posso chegar à conclusão seguinte: afinal, esta vida não evoca assim tanta curiosidade. Mas continuará.
Chandni Chowk (Atlântico)
Na Atlântico nº 30, de Setembro:
PASSAGEM PARA A ÍNDIA
CONSTANTINO XAVIER EM NOVA DELI
CHANDNI CHOWK
" Do topo do minarete da Jama Masjid, com a brisa a secar o suor dos braços, miramos o imenso bazaar de Velha Deli, também conhecido por Chandni Chowk. Ao fim da tarde, o movimento é tremendo. Os ciclo-riquexós serpenteiam pelo labirinto imundo, empurrados por multidões. À venda, de tudo: joalharia, gado, pneus, vibradores, sedas, arroz e caril. Nenhum planeamento urbanístico ou coerência arquitectónica. Os edifícios encontram-se quase todos arruinados. Aqui e acolá, por baixo dos cabos suspensos no ar e por entre as emendas em betão, zinco e plástico, emerge um raro pormenor tradicional de um poço medieval, de um haveli real ou de um armazém colonial.
Do conforto das alturas, observo que este bairro tem o potencial de vir a ser um dos patrimónios históricos mais visitados da Ásia. Anuncio: um dia, ainda durante as nossas vidas, veremos Chandni Chowk convertido numa espécie de Bairro Alto, Marais ou Kreuzberg, urbanisticamente domesticado, intelectualmente cosmopolita e turisticamente atractivo. A profecia é ridicularizada pela minha companhia e apresso-me a voltar a descer para colocar os pés em terra. Ensanduíchado por um pedinte leproso, um vendedor de bugigangas e uma mulher de burca, recupero do sonho celestial: afinal, quem sou eu para prever que esta eterna e imutável Índia se irá transformar? (...) "
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