domingo, 26 de dezembro de 2004

Saudades

Como apertam as saudades o peito. Um forte abraco para todos, por todo o lado, e que tenham passado um Feliz Natal na companhia dos mais queridos. E que o ano de 2005 vos traga muitos sucesssos e… vos traga talvez tambem para a India.

PS: O sismo nao se fez sentir aqui em Goa.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2004

Em Goa

Esperando que estejam realmente preocupados com a minha saude desde que escrevi o ultimo posting, mas sabendo que isso nao corresponde minimamente ah realidade, venho por esta informar que me encontro bem no pedaco de terra mais abencoado (convem habituar-me a este tipo de vicabulario porque em breve vai ser o meu crisma) deste planeta. Consegui subornar um funcionario de bilheteira, um carregador e dois picas no comboio e com isso cheguei a Goa sao e salvo, em carruagem de ar-condicionado (a/c, sir). Nao vos vou massacrar com factos sobre o clima, a comida e a costa de Goa nesta altura do ano. Mas tem-se estado muito bem por estas bandas. E eu gosto de ca estar.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2004

Waiting list #1

Estou em Bhopal, onde estive por tres dias com o Emeric, meu colega frances, a dar umas voltas e a fazer a tal reportagem para o Expresso sobre a maior tragedia industrial de sempre no mundo, que aqui aconteceu em Dezembro de 1984.

Tinha comprado ha 3 semanas o bilhete Bhopal/Goa de comboio, em a/c, e estava em waiting-list, mas num lugar que normalmente da sempre confirmacao poucas horas antes. Enganei/me e, incrivelmente, fiquei em waiting/list no. 1, o primeiro nao/confirmado (portanto, se tivesse cancelado mais alguem, teria ido). E isto sao comboios grandes, com umas 1000 ou 2000 pessoas...

Tentei subornar o picas, etc etc, mas nada. Acho que o homem ate ficou chateado, porque estavam imensas pessoas a tentar o mesmo e ele deve ter pensado que eu nao passava de um puto sem massa (verdade na Europa, mentira aqui). E ca estou eu em Bhopal. O Emeric acaba de partir no comboio para Indore (vai fazer sightseeing).

Depois de horas a correr pela estacao (caos, hindi, pedintes, ladroes) la consegui cancelar o meu bilhete nao/validado (recebo o reembolso, mas com penalidade de un 10 ou 20%). Depois tentei encontrar alternativa.

Mas imaginem. Se nem uma reserva feita de Delhi (capital, com mais quota) ha 3 semanas dava para conseguir lugar, como conseguir lugar poucas horas de o comboio partir? Com metade (150 milhoes) da classe media indiana provavelmente a tentar o mesmo, mais o milhao e meio de neo-hippies em busca de uma New Year's Trance Party on the beach in Goa.

Consegui comprar um bilhete em classe geral. Para os que nao fazem ideia do que isso significa, imaginem um ovo (cheio) e tentem meter-me la dentro sem o partir. Acho que, para alem de ser impossivel, seria bastante apertado. O mesmo aqui. Eu sempre tentei destruir as vossas imagenzitas mitificadas da India, mas desta vez dou luz verde.

Imaginem aqueles comboios com gente em cima, aquelas carruagens pestilentas com gente a cuspir e defecar por todo o lado. Pessoas a dormirem no corredor e, por cima dos assentos, nas prateleiras para a bagagem.

Sim, vou ali dentro. No Goa Express. Que sai daqui a 4 horas. Com os meus dois cartoes de credito, o meu portatil e a minha maquina digital. Demora 36 horas.

Mas, admito, pode haver saida. Tentarei novamente subornar o picas e ver se me poe numa classe superior. Como dinheiro em principio nao eh problema para mim, vou pagar tudo por um lugarzinho, nem que em primeira classe. E havia um senhor simpatico na bilheteira que acho que foi o unico que sorriu e me disse para eu ir la ter com ele uma meia hora antes de o comboio partir. Eu disse, Please sir, see if you get me any place on the train, because I really don't want to go on the general class. Ele sorriu novamente e acenou levemente com a cabeca. Nao sei se me achou um puto novo-rico parvo ou se viu em mim talvez o seu filho aflito.

Mas se nao conseguir (vou conseguir), paciencia, certamente que chegarei exausto, roubado e porco a Goa, mas certamente tambem com mais amigos e conhecidos, e uma historia para contar aos netos.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2004

A colega (I)

Estou na cantina da faculdade, na cave, onde às vezes vejo gordas ratazanas fugir da cozinha para as casas de banho ao lado. Há uma pequena escrivaninha à qual está sentada o Babu. O Babu vem do estado do Querala no Sul da Índia e tem um grande bigode sobre um grande sorriso, sempre. É gordinho e o dono do refeitório. À volta dele, à hora de almoço, as pessoas gritam "Babu, Babu, please, Babu" e abanam as notas de dinheiro no ar a ver se ele as atende. Todos empurram e tentam chegar a ele. Pacatamente ele recebe os pedidos e transfere-os com baixos e autoritários gritos para a cozinha onde vários vultos semi-desnudados confeccionam os comeres.

Estou no meio das pessoas. Como sempre espero uns minutos e depois ele olhará para mim como sempre e eu pedirei o meu almoço. Não preciso de gritar "Babu, Babu, please, Babu". Enquanto estou entalado na multidão histérica vou olhando distraidamente à minha volta. Do outro lado da escrivaninha, por entre os castanhos corpos, emerge um olho. Um só. Brilhante e acutilante, olhando-me a mim nos olhos, dirigido objectivamente a mim. Não se passam mais do que dois segundos. Dois segundos em que me apercebo que se trata de um telemóvel com câmara incorporada. Em que alguém me está a fotografar. Em que eu esboço um intuitivo "Hey" e levanto o meu olhar para ver o responsável.

Mas, ao terceiro segundo, o olho desaparece com uma mão a puxar o utensílio metálico para trás, desaparecendo por entre a multidão. A cantina é pequenina. Movimento-me rapidamente. Vejo uma rapariga a correr e chamo-a. Mas ela refugia-se numa mesa com várias raparigas, uma das quais a Sarita, a tal goesa. Não conheço a maioria. Pergunto à rapariga fotografadora "What was that, why are you taking pictures of me?". Respondem-me todas elas com risos histéricos. "This is nothing, go away". Exigo ver o telemóvel e que a minha fotografia seja apagada. "No, go away" cacarejam, sem no entanto me olhar nos olhos, envergonhadas mas descaradas. "Go and make a complaint with GSCASH".

O Gender Sensitation Committee Against Sexual Harrassment (GSCASH) é um órgão institucional da JNU que trata dos casos de discriminação e assédio sexual no campus. Claro que lá não fui. Claro que entretanto, passadas umas semanas sobre o episódio, a minha foto já circula em dezenas de telemóveis femininos da universidade.