quarta-feira, 12 de outubro de 2005

Keylong (3)

Não sairíamos do vale antes do quinto dia. Depois de voltarmos ao Mentokling e pormos o sono em dia aventuramo-nos com os outros cinco estrangeiros pela aldeia, seguindo pela estrada. Poucas centenas de metros depois, apercebemo-nos da gravidade da situação. O que nesta altura veranesca do ano ano deveria ser um pequeno riacho tinha-se transformado num imponente rio. Nos cem metros seguintes que conseguimos avistar a estrada estava cortada por pesados desabamentos e rochedos do tamanho de pequenos camiões.

Estávamos ainda numa zona habitada. A aldeia é capital de distrito. Apercebemo-nos logo que nas regiões mais remotas e altas que a estrada atravessa a caminho de Leh a situação devia ser muito pior. Ao fim da tarde, aconchegados no restaurante e a bebericar chá, recebemos a confirmação do dono. Várias dezenas de estrangeiros encontram-se isolados a 4000 e mais metros de altitude, nos passes cobertos de tempestades de neve. Estamos bem, afinal. Mas a chuva continua, ocasionalmente cai neve. O vale coberto de espessa neblina. Ao segundo dia nem é possível sair do edifício. Deixa de haver água corrente e electricidade na manhã do terceiro dia. Não há ligação possível com o exterior – os telefones estão mudos e os telemóveis não têm rede.

Os aldeões já nos conhecem. Quando deixa de nevar e chove um pouco menos vagueamos pelas ruas semi-desertas. Ao terceiro dia, lembro-me que é o aniversário do meu afilhado, em Goa. Sem nada que fazer, tento a minha sorte no edifício do District Collector, o mais alto funcionário governamental na aldeia, porque nem a polícia tem telefone por satélite. Dizem-me que não há comunicação possível por telefone nos próximos dias, só mesmo enviando um telegrama.

Acho a sugestão um pouco estranha, mas tomo a iniciativa e dirijo-me à estação de telegrafia. O processo de envio demora mais de duas horas, tudo para "HAPPY BIRTHDAY CARL. YOUR PADRINHO, FROM KEYLONG, LADAKH". Já a sair, lembro-me de perguntar, só mesmo para confirmar, auando é que chega. O funcionário, envolto de mantas e já um pouco chateado, responde-me num tom seco: "When the phone lines work again".

2 comentários:

  1. Que belíssima descoberta este teu blogue! Ainda só li os primeiros textos e já me sinto fascinado. Parabéns!

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  2. quando cuidava cabras no gerês também tinha uma vida assim.
    mas agora já não.
    afinal cada um...

    babalucious

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