A desconstrução do tradicional sistema social indiano e o caos solto naquela que era uma das mais ordenadas e disciplinadas arenas socias são um dos temas que mais me fascinam na Índia.
Linhas de divisão, elementos de referência, sítios, lugares e hierarquias – tudo posto em causa pelo que chamam de modernização. O problema é que a modernidade, se é que jamais existiu, já faz parte do passado. E que aqui a tradição resiste ofensivamente – agarrando e assimilando a modernidade de cariz ocidental. Complica-se tudo com a entrada em cena da pós-modernidade.
O que faz com que a Índia seja vista como um espaço excelente para estudar os efeitos da globalização (ver, por exemplo, Arjun Appadurai: "Apres l'Empire, Les consequences culturelles de la mondialisation"). Em que se estabelece o que muitos chamam de "Mixed Times", em que a tradição, a modernidade e a pós-modernidade coexistem num mesmo espaço, ele mesmo cerescentemente desterritorializado.
Claro que tudo pode ser visto de uma perspectiva de decadência, em que nasce a nostalgia pelo passado em que as forma eram claras e as linhas sóbrias. Em que havia sítio e lugar de pertença. Em que se podia classificar facilmente e ordenar – afinal foi assim que os britânicos criaram a Índia e todos os outros colonizadores as suas colónicas (ver Benedict Anderson: "Imagined Communities" e a criação da nação pós-colonial com a ajuda da trilogia instrumental "Maps, Census and Museums").
Mas, de outra perspectiva a Índia oferece-nos também a possibilidade de questionar o que tão inquestionável nos parece no Ocidente ou o que tentamos mas não conseguimos questionar. De observar uma fluidez no desenvolvimento das relações sociais, com o seu grau de conflitualidade, é verdade, mas com uma naturalidade e à-vontade assustadores para os ocidentais.
terça-feira, 22 de março de 2005
segunda-feira, 14 de março de 2005
Fulanização da esquerda global
Para muitos deve ter sido uma surpresa o meu namoro com a esquerda e o socialismo desde que vim à Índia. As razões são complexas – indo desde um mera atracção ao exótico à compreensão que uma sociedade como a indiana não partilha as mesmas prioridades que a portuguesa. Expliquei e partilhei isto convosco anteriormente.
Mas, sendo um cidadão português que já votou CDS-PP e PCTP-MRPP, e que é caracterizado por muitos amigos como "prostituta intelectual" ou "cata-vento", não tenho dificuldades em assumir agora uma postura crítica do que afinal no fundo sempre mais abominei.
Enquadrada na decadência do mundo ocidental (ver outra série de posts que iniciarei com este título) encontra-se a fulanização da esquerda moderna, com raízes no radicalismo e extremismo mascarado de esquerda global, pós-moderna, cosmopolita e jovem.
Curiosamente – e isto será o mais assustador – essa esquerda fulana anda a exportar-se para o resto do mundo. Quando ela mesmo se tende a assumir como vanguardista e denunciadora de uma decadência das sociedades capitalistas e das economias de mercado ocidentais, esquece o elementar facto de se basear em pressupostos fundamentalmente simplistas, básicos e primários, pondo destrutivamente - e não construtivamente como seria de supor - em causa os já enfraquecidos pilares da civilização ocidental.
A alternativa esquerdista quer-se anti- ou alterglobalizante mas esquece que ela mesmo é o motor de uma globalização socialista ridícula, destruidora e caótica, sem alternativas, mas ruidosa e das ruas. Que está a exportar a sua ridicularidade para as sociedades em desenvolvimento que sofrem e precisam. Precisam de atenção e soluções construtivas e originais. Mas, pelo contrário, é-lhes oferecido - em jeito de pacote de bolachas produzido em massa - um conjunto de pressupostos simplistas e superficiais e uma estratégia colorida e barulhenta (e entusiasmante, claro) que atrai qualquer jovem estudante com ideais e esperança num mundo melhor (sim, encontro-me aqui).
Devem estar a querer saber onde nasce este meu vísceral comentário crítico. Nasce aqui mesmo, no campus da JNU. Numa universidade que supostamente é a elite indiana e que junta o que de melhor há neste país em maturação. Em que os estudantes das várias facções esquerdistas que detêm o monopólio da vida política universitária passam dias a pintar e colar cartazes contra as imperialices. Se manifestam semanalmente a favor de Saddams e Fidéis. Em que ditadores-garotos sul-americanos dignos dos piores filmes Hollyowood de categoria B como Hugo Chávez são recebidos em euforia por milhares de estudantes "porque ele canta bem" e tem "tomates para mandar o Bush dar uma volta" e "espelha a esperança democrática do mundo em desenvolvimento" (estudantes dixit, na semana passada). Em que os dirigentes da Students Union passam os dias enclausurados a discutir as melhores estratégias para expulsar uma barraquinha inofensiva da Nescafé que é apelidade de agressão imperialista multinacional e capitalista ao campus democrático (e à noite muitos deles vão lá beber um Nestea às escondidas). Em que à mesa da cantina discutem como os E.U.A. estão a matar África à fome e as forças imperialistas ocidentais dominam os media (sim, a BBC também, imaginem!), enquanto que uma das dezenas de rapazitos em idade de escola primária que trabalham nas cantinas do campus lhes serve mais chá e limpa a mesa com um trapo sujo e fedorento. Em que a poucas dezenas de metros do campus se amontoam as barracas e os plásticos azuis que as cobrem para resistir à chuva, ao frio e ao sol e a tantas mais desgraças que caem do céu indiano. Em que as crianças brincam na lama e mexem na merda das vacas a ver se encontram uns amendoins. Mas o que interessa é a alternativa. A resistência d(r)avidíaca contra as brancas forças poderosas e invisíveis.
Mas, sendo um cidadão português que já votou CDS-PP e PCTP-MRPP, e que é caracterizado por muitos amigos como "prostituta intelectual" ou "cata-vento", não tenho dificuldades em assumir agora uma postura crítica do que afinal no fundo sempre mais abominei.
Enquadrada na decadência do mundo ocidental (ver outra série de posts que iniciarei com este título) encontra-se a fulanização da esquerda moderna, com raízes no radicalismo e extremismo mascarado de esquerda global, pós-moderna, cosmopolita e jovem.
Curiosamente – e isto será o mais assustador – essa esquerda fulana anda a exportar-se para o resto do mundo. Quando ela mesmo se tende a assumir como vanguardista e denunciadora de uma decadência das sociedades capitalistas e das economias de mercado ocidentais, esquece o elementar facto de se basear em pressupostos fundamentalmente simplistas, básicos e primários, pondo destrutivamente - e não construtivamente como seria de supor - em causa os já enfraquecidos pilares da civilização ocidental.
A alternativa esquerdista quer-se anti- ou alterglobalizante mas esquece que ela mesmo é o motor de uma globalização socialista ridícula, destruidora e caótica, sem alternativas, mas ruidosa e das ruas. Que está a exportar a sua ridicularidade para as sociedades em desenvolvimento que sofrem e precisam. Precisam de atenção e soluções construtivas e originais. Mas, pelo contrário, é-lhes oferecido - em jeito de pacote de bolachas produzido em massa - um conjunto de pressupostos simplistas e superficiais e uma estratégia colorida e barulhenta (e entusiasmante, claro) que atrai qualquer jovem estudante com ideais e esperança num mundo melhor (sim, encontro-me aqui).
Devem estar a querer saber onde nasce este meu vísceral comentário crítico. Nasce aqui mesmo, no campus da JNU. Numa universidade que supostamente é a elite indiana e que junta o que de melhor há neste país em maturação. Em que os estudantes das várias facções esquerdistas que detêm o monopólio da vida política universitária passam dias a pintar e colar cartazes contra as imperialices. Se manifestam semanalmente a favor de Saddams e Fidéis. Em que ditadores-garotos sul-americanos dignos dos piores filmes Hollyowood de categoria B como Hugo Chávez são recebidos em euforia por milhares de estudantes "porque ele canta bem" e tem "tomates para mandar o Bush dar uma volta" e "espelha a esperança democrática do mundo em desenvolvimento" (estudantes dixit, na semana passada). Em que os dirigentes da Students Union passam os dias enclausurados a discutir as melhores estratégias para expulsar uma barraquinha inofensiva da Nescafé que é apelidade de agressão imperialista multinacional e capitalista ao campus democrático (e à noite muitos deles vão lá beber um Nestea às escondidas). Em que à mesa da cantina discutem como os E.U.A. estão a matar África à fome e as forças imperialistas ocidentais dominam os media (sim, a BBC também, imaginem!), enquanto que uma das dezenas de rapazitos em idade de escola primária que trabalham nas cantinas do campus lhes serve mais chá e limpa a mesa com um trapo sujo e fedorento. Em que a poucas dezenas de metros do campus se amontoam as barracas e os plásticos azuis que as cobrem para resistir à chuva, ao frio e ao sol e a tantas mais desgraças que caem do céu indiano. Em que as crianças brincam na lama e mexem na merda das vacas a ver se encontram uns amendoins. Mas o que interessa é a alternativa. A resistência d(r)avidíaca contra as brancas forças poderosas e invisíveis.
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