sexta-feira, 13 de outubro de 2006

Ele sabe (2)

Por ocasião de mais uma cimeira União Europeia-Índia, a realizar-se na capital finlandesa, hoje, publico aqui o artigo no Expresso, de 10 de Setembro do ano passado, relativo à entrevista que conduzi a José Manuel Durão Barroso, por ocasião da sua visita a Deli para uma igual cimeira.

EXPRESSO, Suplemento Economia & Internacional
Edição 1715, 10.09.2005

A prioridade está no Oriente

O presidente da Comissão Europeia diz que China e Índia passaram a ser tema de política interna da Europa

José Manuel Durão Barroso: «Não podemos simplesmente dizer às pessoas: adaptem-se à competição e arrisquem o vosso bem-estar. Temos de lhes dar uma clara perspectiva de futuro. Não podemos tratar os indivíduos como coisas. Esse é o principal desafio. Nós, dentro da União Europeia, queremos uma reforma económica que seja sensível, com preocupações sociais. Temos de explicar aos cidadãos que têm de se adaptar à globalização, mas que, ao mesmo tempo, há um futuro com emprego e repleto de grandes oportunidades»

O ORIENTE é uma das grandes prioridades da União Europeia e, se alguém tinha dúvidas, as duas cimeiras que esta semana se realizaram, em Pequim e Nova Deli, provam-no amplamente. «Do ponto de vista económico e comercial, a China e a Índia estão a tornar ainda mais urgente a necessidade de adaptação da UE à globalização», disse Durão Barroso ao EXPRESSO, numa entrevista conjunta com os dois principais diários indianos, o «Hindu» e o «Hindustan Times».
O prato-forte das negociações - lideradas, pela parte europeia, pelo presidente da Comissão e o primeiro-ministro Tony Blair, presidente em exercício da UE - foi precisamente a galopante emergência económica dos dois gigantes asiáticos, a par dos direitos humanos e da cooperação ambiental, no caso chinês, e da abolição da pena de morte e do controlo da emigração ilegal, no caso indiano.

Segundo Durão Barroso, existe actualmente «o risco do extraordinário crescimento económico da China e da Índia ser visto, na Europa, como umaameaça», sendo certo que «existem alguns países e sectores europeus com dificuldades na adaptação às novas regras da competição internacional».

Mas, afirma, a globalização não deve ser encarada de forma negativa. «Estamos num novo contexto». As preocupações actuais dos europeus podem ser legítimas, mas dissipar-se-ão no futuro: «A globalização é um desafio, mas não uma ameaça. É esta a abordagem que temos no nosso relacionamento com os dois países, torná-los numa oportunidade».

A Índia e a China têm crescido anualmente entre 6% e 10% pelo que, segundo o dirigente europeu, a abertura da UE é inevitável. «Seria um erro trágico se os europeus pensassem que poderiam manter o seu nível de vida fechando-se sobre si mesmos», defende o presidente da Comissão, justificando a necessidade de abertura pela dependência da UE das exportações: «Se a UE quiser que outros se abram, também terá que se abrir mais. Temos de nos adaptar, mas há que lidar com o novo contexto de uma forma construtiva e estabelecer um período de transição para diminuir o impacto.

O texto e o contexto

A questão é tão importante que, segundo Barroso, está no cerne da recente rejeição do Tratado Constitucional europeu por franceses e holandeses. Diz ele que «num referendo, existe sempre o risco de as pessoas votarem no contexto e não no texto, e o contexto é de crescimento lento e de desemprego». É por isso que «o comércio internacional e as relações com a China e a Índia passaram a ser assuntos de política interna europeia».

Embora Javier Solana tenha afirmado em Pequim que «para a UE, a Índia ainda não atingiu a importância da China», Barroso explicou ao EXPRESSO que não gosta de fazer comparações entre os dois gigantes, adiantando que «o sistema político da Índia é diferente do da China» e que «a Índia e a UE partilham fortes valores democráticos».

Referindo-se às recentes renegociações das quotas de importação de têxteis chineses e aludindo à diplomacia norte-americana, Barroso salientou, por outro lado, a estratégia da UE para enfrentar os dois gigantes: «As quotas são uma medida transitória acordada em parceria com a China, enquanto outros preferem impor o unilateralismo».

Entretanto, em Pequim foi tornada pública a resolução do contencioso quanto à importação de têxteis chineses e reiterado o interesse numa maior cooperação económica sino-europeia, Nova Deli assinou pela primeira vez uma declaração política conjunta com Bruxelas.

A Índia e a UE também anunciaram uma nova plataforma de cooperação contra o terrorismo, a entrada da Índia no projecto de navegação por satélite Galileo e a possibilidade dos indianos participarem na construção do novo reactor de fusão nuclear (ITER), a instalar no Sul de França.

Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli

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