domingo, 25 de junho de 2006

Blog Atlântico

De há umas semanas para cá, embora irregularmente, eu também passei a escrever no blog da Revista Atlântico em http://revista-atlantico.blogspot.com. Ideal para os que já estão entediados com as minhas indianices e orientalices. E um teste às minhas capacidades de escrever sobre coisas diferentes. Isto é, normais.

sexta-feira, 23 de junho de 2006

Repartida

Abalo dia 10 de madrugada, via Amesterdão. Hipótese 1: No dia 9, Portugal ganha a final e, ao embarcar pelas duas da manhã, enquanto que as massas esperam lá fora, cruzo-me com os novos campeões europeus, de chegada de Berlim. Hipótese 2: A Holanda ganha a final e passo uma manhã inteira em Amesterdão, à espera da ligação para Deli, rodeado de laranjinhas eufóricos e bêbados. Não aceito nenhuma outra hipótese. Mas prefiro a primeira.

Confirma-se: She's in fashion

"Once proudly socialist and nonaligned, India is being remade as a roaring capitalist success story and emerging strategic partner of the United States. Economic reforms have raised per capita GDP and lowered poverty rates, while New Delhi's growing self-confidence may help it become the swing state in the global balance of power. In this special lead package, therefore, Foreign Affairs has brought together four top experts to analyze the sources and implications of India's rise — and the policies necessary for it to continue."

Editor's note sobre a edição Julho/Agosto da revista Foreign Affairs: "The Rise of India"

quarta-feira, 21 de junho de 2006

Redescoberta: Nova Deli

Começo pelo óbvio. Não é nada complicado. Que eu saiba, na língua portuguesa um “lh” soa bastante diferente do “lh” em inglês. O “h” está portanto a mais. Basta Deli. Sem acentos (“Déli”), porque ortograficamente desnecessário. Mas, caso quiséssemos ser fiéis à pronúncia local indostânica, teria que ser “Dili”, tal e qual a capital timorense, mas sem acento. A imprensa indiana em caracteres romanos escreve aliás “Dilli”.

Claro que há os chicos espertos portugueses que gostam de misturar, como os miúdos na escola nas perguntas de resposta múltipla. Assim talvez só errem cinquenta por cento: “Nova Delhi” ou “Nova Délhi”. É por isso pouco surpreendente que a invenção provoque uma pronúncia híbrida ímpar no mundo inteiro: os leitores lêem o “lh” como em “filho” e fica uma “Nova Delhi” muito estranha. E, já agora, porquê “Nova”? Porque é diferente de “Velha”. Há uma Deli antiga, a Norte, e uma Deli Nova, mais a Sul, construída de raiz pelos britânicos.

Tal como os franceses, alemães e ingleses (“Nouvelle Delhi”, “Neu Delhi” e “New Delhi”, respectivamente) também temos o direito de traduzir para “Nova”, porque Deli é afinal feminina, embora não seja a melhor megalópolis para mulheres andarem na rua, especialmente de noite. Vamos lá repetir, todos juntos: Nooova Deeeli.

Imagens de Deli: À espera



Em frente a uma sala de cinema, numa rua de Velha Deli, um homem espera por algo ou por alguém.

segunda-feira, 19 de junho de 2006

Está mesmo na moda

"Even if you've never been to India, eaten its food or watched its movies, there is a good chance you interact with it every day of your life. It might be the place on the other end of that call you call you make if your luggage is lost on a connecting flight, or the guys to whom your company has outsourced its data processing. Every night, young radiologists in Bangalore read CT scans e-mailed to them by emergency-room doctors in the U.S. Few Americans are surprised today to learn that their dentist or lawyer is of Indian origin, and the centrality of Indian brainpower to California's high-tech industry has long been documented. (...) We're all about to discover: that elephant can dance. "

Time, 26 de Junho 2006

domingo, 18 de junho de 2006

Where is India?

Num jornal da noite televisivo, uma pequena peça reporta sobre a 6ª edição da Festa da Diversidade, no meio do Martim Moniz. Obviamente uma festa com fortes orientações políticas à esquerda (basta olhar para os oradores dos dois debates agendados).

Mas com o seu interesse, afinal marcando desta vez o mesmo espaço que já tanto é conotado com a extrema-direita com uns toques cosmopolitas e simpáticos. Ainda bem. Participam (até amanhã) dezenas de associações, clubes, restaurantes etc., um pouco de tudo que a Lisboa global e multicultural nos apresenta hoje em dia. No programa oficial vejo referências à Guiné Bissau, à Moldávia, à Galiza, a Moçambique, a Cuba (claro) e mesmo à associação dos filipinos residentes em Lisboa, para além de um curioso "Colectivo Kilimandjaro".

E a Índia ausente! Nem uma associação, nem uns siques para dar cores com turbante e barba ou uns goeses para dar uns passos de dança? Nem uma barraquinha com umas chamuças? Desculpem lá, mas uma "festa da diversidade" em pleno Martim Moniz sem indianos, é como... arroz sem caril a acompanhar.

Citações de Deli: Fernando Madrinha

"Cada um dos dois gigantes que estão agora a despertar na Ásia é uma potência com condições para rivalizar com o conjunto europeu e para o suplantar, a prazo. (...)O crescimento económico galopante de dois países que, juntos, reúnem mais de 2,4 mil milhões de seres humanos - quase um terço dos seis mil milhões que existem sobre a Terra - vai impor uma redefinação dos centros de poder e dos equilíbrios geoestratégicos. Progressivamente, o despertar da China e da Índia arrastará o crescimento de toda a Ásia."

Fernando Madrinha, editorial, Courrier Internacional (edição portuguesa), nº 56, 28 de Abril 2006: "Nova ordem mundial: China e Índia, os gigantes do futuro"

segunda-feira, 12 de junho de 2006

A Índia e a União Europeia

Realiza-se nos próximos dias 26 e 27 de Junho um "Encontro da Arrábida" intitulado "A Índia e a União Europeia". É uma organizaçãção conjunta da Fundação Oriente e do Instituto Português de Relações Internacionais (Universidade Nova de Lisboa) e conta com a coordenação do Prof. José Esteves Pereira, à frente do "outrora meu" Departamento de Estudos Políticos na FCSH.

A realizar-se no Convento da Arrábida, contará também com a intervenção do meu director de departamento na Jawaharlal Nehru University em Nova Deli, o Prof. Varun Sahni, que tratará o tema do terceiro painel "O futuro das relações entre a União Europeia e a Índia", ao lado do Prof. Carlos Gaspar e do Prof. Jean-Luc Racine (CERI, Paris).

Caberá a mim intervir no primeiro painel ("A emergência da Índia como grande potência"), logo na Segunda-feira à tarde. No mesmo painel intervirão também o Embaixador Joaquim Ferreira Marques, de Nova Deli, o Dr. José Manuel Felix Ribeiro, Subdirector-geral do Departamento de Prospectiva e Planeamento, e um dos maiores teóricos sobre a emergência indiana, o Prof. T. V. Paul (McGill University, Canadá). Pelo meio, o segundo painel irá tratar mais especificamente as relações económicas entre a União Europeia e a Índia.

Para ver o programa completo e aceder ao formulário de inscrição:
http://www.foriente.pt/pt/encontros/en2006_04_prog.asp

Há-de voar

Capa da última edição (3 de Junho) da Economist. Ainda bem que há quem a assine em Portugal. É por esta e por outras vias que os ventos orientais também chegam a Portugal.

domingo, 11 de junho de 2006

Swagatam

Ainda nem sabia eu ligar o rádio da cozinha, porque não chegava ao botão respectivo, e já os sons indianos da Rádio Orbital me acompanhavam todos os Domingos de manhã. E continua. O programa "Swagatam" é emitido em 101.9 FM, todos os Domingos de manhã, entre as 10:00 e às 14:00, procurando "divulgar a música e cultura indiana", segundo a voz do amável locutor, que parece não ter mudado em vinte anos.

"Swagatam" (que significa "bem-vindo" em hindi) é uma ilha de paz na rádio portuguesa. Especialmente por emitir num espaço como o da Rádio Orbital, conhecida pelo seu carácter suburbano e techno reles. Assim, o programa aparece tão rapidamente como desaparece. Num minuto ainda se ouvem as batidas e os zumbidos esquizofrénicos do Crazy Frog, para, subitamente, nos envolverem as equilibradas e suaves melodias e vozes indostânicas.

Pessoalmente, tenho mais um contraste gravado na memória. Os Domingos de manhã eram dias em que a família acordava em conjunto, sem a correria dos dias da semana. Éramos cinco. Enquanto a minha mãe fazia umas apas à moda goesa que nós pouco depois deglutíamos com manteiga e açúcar, o meu pai fazia esforços para nos retirar da cama e nos vestirmos para a missa. Todo esse processo, incluindo os quinze minutos de viagem de carro para a Basílica de Mafra, pelas desertas estradas bucólicas e saloias, fazia-se ao som de "Swagatam", como que as melodias orientais procurando dar-nos algum norte histórico, alguma razão existencial.

O programa é bilingue e cativa portanto gerações e públicos diferentes, dos mais velhos indianos que vivem encalusurados nas suas "Little Indias" periféricas sem falar mais do que dez palavras em português, aos mais novos indianos, que talvez ainda vão a conduzir, de volta de uma noitada em Lisboa nas discotecas da moda, acompanhados pela loura namorada portuguesa.

Mas a audiência é internacional também, porque se pode ouvir o programa em directo no site da Orbital. "Temos ouvintes por todo o mundo, nos Estados Unidos, na Inglaterra, em Angola, em Moçambique, em França etc. E recebemos agora um e-mail da Austrália do x, que nos diz que é nascido na Beira, mas que quer dedicar a música y a uma amiga em Lisboa". É assim, tão fácil assim, que pela voz de um locutor num estúdio qualquer num subúrbio qualquer, se galgam fronteiras e espaços e ideias.

Mas o que mais interessa é que no "Swagatam" se fundem não só sons, mas ideias e culturas também, de forma positiva. Bastante ao contrário da RDP África, de que sou um ouvinte regular e de que gosto muito, mas que, pese a sua natureza pública, tende a cair muitas vezes na ratoeira da auto-marginalização e da sectarização cultural. "Angola, chutá bola, vamos prá vitória!".

O melhor do "Swagatam" são os anúncios, lidos numa voz melodiosa pelo próprio locutor ou por uma assistente feminina. Um estilo radiofónico verdadeiramente arcaico, é certo, mas bastante atractivo, pessoal e eventualmente com bastante sucesso também entre a audiência-alvo. "Venha ao estabelecimento x, em Santo António dos Cavaleiros. Grande gama de produtos indianos, masala, gelados indianos, especiarias diversas. Encontra tudo à sua disposição. E agora às Segundas-feiras, venha encontrar legumes e hortaliças fresquíssimas vindas directamente da Índia só para si." E segue-se o endereço e o telefone.

Há ainda os engraçados concursos radiofónicos (patrocinadas, claro, pela Dan Cake e o seu magnata dono indiano), e pontuais chamadas dos ouvintes. Lembro-me que os olhos do meu pai brilhavam sempre que, talvez uma vez ao mês, eles punham uma música goesa, ou talvez marata, e sempre que algum goês ligava para lá, e sempre que o locutor falava umas palavras em concani... ou marata.

“As boas acções não carecem justificação, mas as más não passarão incólumes por Deus, que nos prestará conta por elas por muito muito tempo”, avisa o locutor, no seu "pensamento da semana". Repete numa língua vernacular indiana. Segue-se outra secção, das felicitações. Não antes de o locutor passar um desmentido.

No programa anterior alguém "fez uso da nossa boa vontade passando uma mensagem de noivado falsa, sob identidade falsa", afirma, e lembra que "nos quase 20 anos, milhares de dedicatórias com felicitações para noivados, aniversários, etc. sempre grátis, num serviço à comunidade no seu todo universal, nunca isto aconteceu".

"Não queremos pôr fim a este serviço. Façam uso positivo dele. Não o usem para fins maléficos, atentando ao bom nome de famílias honestas", apela e explica que "passámos este desmentido a pedido do pai da jovem que manifestou indignação perante esta falsa e ignóbil notícia do noivado”.

E voltam os sons indianos, antigos e modernos, do Norte e do Sul, preenchendo e ocupando o meu quarto. O meu pai chama-me. Desligo a rádio. Vou para a cozinha. Já cheira a apas.

sexta-feira, 9 de junho de 2006

Corte de cabelo saloio

Fui ontem à Venda do Pinheiro, ali à margem da EN8, cortar o cabelo. É que o Sr. Fernando aqui do Rogel, que abria o seu anexo aos Sábados de manhã para fazer a barba dos mais velhinhos e cortar o cabelo aos putos, por uns quantos mil reis (5 Euros), fechou. Deixou de haver velhinhos. E os putos querem cabelo como o Ronaldo.

Sou então obrigado a deslocar-me três quilómetros, à civilização que um dia também chegará ao Rogel. O barbeiro - ao qual, enquanto miúdo, ocasionalmente ia quando a minha mãe insistia num corte de cabelo urgente antes de qualquer ida à ópera, visita social ou viagem mais longa - claro que não me reconheceu.

Só depois de eu abrir a conversa com um "então agora os táxis já voltaram a ser como dantes, pretos?" é que ele notou que estava no processo de tosquiar um daqueles dois putos esquisitos, meio indianos, meio alemães ou lá o que é, que lhe costumavam aparecer por debaixo da tesoura há já mais de uma década.

"Tu és lá da Rogel, não é?", inquiriu. Depois de mais algumas perguntas curiosas ("então já acabaste a escola?"), veio então a questão mais complexa: "Atão andas a fazer o quê, agora". E eu, prenunciando a tragédia, limitei-me a um "estou na Índia, a estudar".

Parou de me degolar os cabelos, por um instante, e procurou, na reflexão do espelho, uma minha expressão facial ou olhar que o pudessem acudir. Continuou depois, em silêncio, o seu trabalho. Finalmente, como que impelido pelo seu instinto cabeleireiro, voltou à carga: "Mas as universidades lá são melhores, ou quê?".

Olhando para o monte de jornais tauromárquicos, hesitei por um instante. Mas o meu espírito maquiavélico deu-me logo uma solução. "Sim, são melhores", respondi com grande determinação e clareza, não deixando margem para dúvidas e terminando o assunto de conversa, para imenso alívio meu e dele. Passámos a falar de bola.

Imagens de Deli: Catmandu

Durbar Square, Catmandu, no Nepal. Complexo de templos hindus (a partir do séc. XI), num fim de tarde solarengo.

Série Redescoberta

Depois das Citações de Deli e das Imagens de Deli, inicio hoje uma nova série neste blog, intitulada de "Redescoberta".

Ao longo dos quase dois anos que já levo de jornalismo e de investigação na Índia, tenho-me deparado repetidamente com uma dificuldade muito singular. Trata-se de transcrever ou traduzir palavras, conceitos, títulos honríficos, mas, acima de tudo, nome de cidades, estados, regiões e países e demais realidades geográficas como rios, cordilheiras, planaltos etc para o português.

O processo é complicado. Tem uma dimensão ortográfica: como transcrever da oralidade indiana, ou do alfabeto devanagárico, as palavras para o português? Quais regras se devem seguir: Bangladeche ou Bangladexe? Certamente que Bangladesh, assim como frequentemente é utilizado, não. É esta a dimensão em que eu sou também mais fraco, e recorro frequentemente ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa ou a outros dicionários e pontuários. Os "K"s são aceites ou não? Basicamente: a geografia deve ou não ser refém da ortografia?

Mas há mais duas dimensões. Uma é histórica: muitos dos locais na Índia têm denominações portuguesas muito antigas, mas que foram caindo no desuso. Por exemplo, "Assão" e não "Assam" como se vê por aí. Caíram no desuso não por terem sido substituídas por novas denominações, mas simplesmente por puro desconhecimento e ignorância. Os jornalistas portugueses de hoje preferem retirar o "Assam" de forma incontestada da BBC Online, a concentrarem-se por um minuto e repescar na sua memória a designação original portuguesa para aquela região, que talvez até tenham lido num Fernão Mendes Pinto numa Secundária suburbana.

A dimensão mais complexa é a política. Muitas vezes, os nomes mudam, especialmente na Índia. De Bombay para Mumbai, de Calcutta para Kolkata e, em breve, de Bangalore para Bengaluru. Isto são acções políticas, muitas vezes pós-coloniais e revisionistas, às quais é preciso fazer face, cooptando a mudança, ou mantendo-se fiel à designação tradicional. Como é no português? Bombaim, Mumbai, Mumbay, Bombay?

Antes de mais, o que eu acho necessário é que haja um consenso. A lei do baldas que presentemente impera no jornalismo português referente a estas dimensões supra tem que acabar (o mesmo aplica-se a todas as outras regiões do mundo). Decidam que a partir de agora se passa a adoptar todas as designações inglesas, para impedir confusões e dabates e facilitar a integração global do jornalismo português. Acho que é uma argumentação muito pobre, mas pelo menos é aceitável porque clara e sustentada.

A questão aqui não é ser purista/conservador ou não. Isto não é uma questão de ortodoxia. É, simplesmente, uma questão de disciplina e de consenso e coooperação, logo de bom sentido. Ora bem: Bangladesh. Leiam "Bangladesh" tendo em conta as regras que aprenderam na escola. Não faz sentido, nem soa como deveria soar, por não? Aquele "sh" não serve de nada. É, pura e simplesmente, um anglicismo que não serve os seus propósitos. Porque, a valer, amanhã passo a escrever "Shina" ou "Chavesh" ou "Marrakesh".

Cá por mim, prefiro uma transcrição e adaptação de conceitos estrangeiros assente nas três dimensões: ser o mais fiel possível às regras de ortografia da língua portuguesa, procurar encontrar designações intrinsecamente portuguesas, mesmo que históricas e em desuso, e, finalmente, encontrar um ponto intermédio que respeite as re-designações políticas, mas não rompa com o passado, quando ele existe.

Por outro lado, este debate e estas dimensões todas são simplesmente fúteis e muito complexos. Como se diz, interessa é desbravar o caminho. O primeiro a fazê-lo escolhe o caminho e os outros não terão escolha a não ser seguir pelo mesmo. Ora, tendo em conta essa sabedoria popular, vou desbravar o caminho com esta série Redescoberta, explorando as complexidades de um jornalista e estudante na Índia, percorrendo debates à volta de transcrições de conceitos geográficos e outros da Índia, e apresentando a minha própria escolha (que vou aliás usando nos meus artigos jornalísticos e de investigação).

quinta-feira, 8 de junho de 2006

Cabinet Meeting

47, nada mais, nada menos. A Índia é governada a partir de Nova Deli por 47 ministérios. Entre eles, o Ministério para os Assuntos Tribais, velando pelos interesses de cerca de 7% da população indiana que faz parte de centenas de tribos, especialmente concentrados nos sete estados enclavados no "Northeast", e no estado central de Jharkhand.

Há ainda o Ministério para as Fontes de Energia Não-Convencionais, o Ministério do Aço, o Ministério dos Químicos e Fertilizantes, ou o Ministério para as Indústrias de Processamento Alimentar. Querem mais? Ora levem lá com um Ministério das Minas, um Ministério para o Desenvolvimento do Oceano ou um Ministério para os Têxteis.

É muita burocracia, muito papel e, acima de tudo, muito pessoal. Logo, requer o Ministério para o Pessoal e as Reformas. E como os indianos estão espalhados pelos quatro cantos do mundo, inventaram há uns anos o Ministério para os Assuntos de Indianos Além-Mar. Aliás, não é caso raro os ministérios aparecerem e desaparecerem de noite para o dia, ou de dia para a noite. São talhados à imagem dos políticos que precisam de uma "pasta", à revelia de qualquer organização e estruturação racional, ou tendo em vista nada mais, nada menos, do que garantir novas fatias específicas do eleitorado (os vote banks).

O que eu gosto de imaginar, é o Conselho de Ministros (Cabinet Meeting), a 47. Aquilo deve ser bem mais animado e produtivo do que muitas sessões da nossa Assembleia da República em São Bento. E imaginar também qual será a próxima invenção ministerial. Talvez um Ministério para a Qualidade Global do Caril? Ou talvez um Ministério para a Dinastia Gandhi. Este, por certo, não seria dissolvido tão rapidamente assim.

segunda-feira, 5 de junho de 2006

Mil milhões não é pouca coisa

Nos debates sobre o futuro da energia, na TSF e no Diário de Notícias, um dos comentadores do primeiro tema (Combustíveis fósseis), lembra que, embora o seu consumo energético seja reduzido, "a China e a Índia têm metade da população mundial". Arredondar é fixe. Mas transformar um terço em metade, e com isso "inventar" mil milhões de chineses e indianos, é verdadeiramente fantástico.

Vamos lá conhecer, dominar e respeitar os factos e números. E debater só depois.

Contacto físico

Reparo que enquanto por lá o contacto faz parte e é reivindicado em qualquer relacionamento social, cá é repudiado. Na Índia, os jovens do mesmo sexo, andam nas ruas de mãos dadas e com os braços à volta dos ombros amigos. Nos quartos, os colegas universitários partilham as mesmas camas e por vezes dormem mesmo abraçados. Nos autocarros as pernas e os braços encostam-se à pele nua de outros passageiros, e é natural, ninguém se recolhe. Os pedintes tocam-nos insistentemente nos braços ou, ajoelhados, nos pés. Os vendedores puxam-nos pelo braço e pela anca para dentro das lojas. Nos estabelecimentos comerciais não há pequenos suportes plásticos para colocar o troco - as moedas são colocadas na mão do cliente.

Mas aqui as pessoas têm medo umas das outras. Tocar é um desafio, é o início da hostilidade. O contacto físico simboliza violência e um simples roçar de peças de vestuário numa rua mais movimentada basta para que se crie um ambiente conflituoso. O contacto físico é evitado a todo o custo. O contacto físico é privatizado e individualizado, logo sacralizado. E com isso morre toda uma essencial dimensão do espaço público, e da sociedade, em geral.

sábado, 3 de junho de 2006

Citações de Deli: Varun Sahni

"In the 1968 movie The Party, Peter Sellers plays an Indian actor who gatecrashes a Hollywood party and, once inside, causes merry mayhem. The apoplectic host, at a particularly precarious stage in the proceedings, turns to Sellers and asks in an outraged voice, 'Who do you think you are?'. The Sellers character responds, 'We Indians don't think who we are. We know who we are.'"

Varun Sahni, in "India's security challenges out to 2020", Strategy, Australian Strategic Policy Institute, December 2005.

quinta-feira, 1 de junho de 2006

China e Índia

Na pouca cobertura que os dois países têm na imprensa portuguesa, e mesmo na internacional, aparecem sempre misteriosamente colados um ao outro. Nunca "Índia e China", sempre "China e Índia". Como se fossem gémeos siameses. E sempre acompanhados ou associados a um vocabulário repetitivo, com destaque para "emergência", "gigantes" ou "século asiático".

Por um lado, é bom sinal. Lentamente, os dois gigantes emergentes, China e Índia, começam a aparecer no panorama jornalístico português, mesmo que de forma tímida e pontuada. Por outro lado, é confrangedor e uma verdadeira desilusão. A conversa nada mais é do que um amontoado de clichés e conceitos supostamente "chave", que, a intervalos, são retirados das agências internacionais, mal digeridos por jornalistas mal preparados, e depois vomitados cá para fora, com uma pitada de ácido sensacionalista (a deslocalização, a indústria têxtil em crise, o domínio comercial dos chineses no Norte etc.).

É preciso operar os siameses, separá-los. A operação é arriscada, bem sei. Mas sem ela não vamos a lado nenhum. Mais vale um pássaro na mão, do que dois a voar. E continua tudo envolto em preconceitos ou em simples e pura e escura ignorância. É por aqui que se situa Portugal em relação ao Oriente.