sexta-feira, 16 de maio de 2008

Inquisição, de novo, diferente

Lembro-me com horror daquelas longas viagens intercontinentais, adolescente, ensanduichado entre um window e um aisle, “I love my India” diziam insistentemente, grandes, gigantescos, desconhecidos e intimidatórios indianos à minha esquerda e direita, que de forma ininterrupta, durante aquelas oito ou nove ou dez horas, me faziam objecto e vítima de um tipo de contra-inquisição, quinhentos anos depois, começando pelo meu nome, pelo dos meus pais, da minha cidade, não, aldeia, passando depois para a profissão dos meus irmãos, a história de vida do meu pai, da minha mãe, avós, as árvores no nosso jardim, porque é que a papaieira nunca deu frutos, o nome do meu cão e da nossa empregada (porque é que só tínhamos uma), quanto custa a vida em Lisboa, sobre a minha viagem sozinho, para onde ia logo que chegasse a Bombaim, se gosto mais de Portugal ou da Índia, se a comida europeia é boa, se não tinha medo, como é o passaporte português, “show me, I want to see”, e eu, no meio, rodeado, sujeito a objecto, submisso, estranhamente cooperante também, talvez por inocência e medo, talvez também porque sabia que não havia naquelas interrogações maldade, violência ou condescendência, como há quinhentos anos, mas uma imensa e muito sincera curiosidade, uma vontade amiga de conhecer e conversar.


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