terça-feira, 7 de setembro de 2004

Orgulho protonacionalista

A Índia, como civilização colonizada durante vários séculos, como original civilização que afirma nunca ter sido colonizadora, como nação embrionária com pouco mais de 50 anos, como amálgama de dezenas de regiões etno-linguísticas diferentes, tem, é óbvio, um complexo de inferioridade.

Isto reflecte-se num nacionalismo exacerbado e na fuga para a frente, em direcção a uma Grande Índia, nuclear, soberana e independente, ready for pay-back, como gostam de dizer alguns pensadores mais corajosos que leio no The Pioneer, jornal ligado aos nacionalistas hindus do BJP.

Em vez de vos chatear com os perigosos estudos pós-coloniais, nada melhor do que um exemplo. Tentem, como estrangeiro, andar de comboio. Como este país não e lá muito pequeno, as viagens demoram dezenas de horas, senão dias (o Trivandrum Rajdhani, por exemplo, liga a capital do Kerala a Delhi numas super-speed 48 hours). O que obriga ao penoso acto de comunicar com os vizinhos.

Depois das introduções bem-educadas, vem a pergunta fatal, acompanhada de um largo sorriso que pretende pôr a vítima respondente no à-vontade que será a sua sina mortífera. So what do you think about India?

Caso o turista use a conjunção "but" na resposta subsequente, a hostilidade entrará em cena para o resto da viagem. Espera-se do estrangeiro uma resposta vangloriadora da Índia, em toda a plenitude. Já tentei várias variações nas respostas. Mas nem os mais rasgados elogios, durante quinze ou vinte minutos, retiram o brilho venenoso a qualquer subsequente "but" de fragmento de segundos que eu inclua educadamente, ou uma alusão a qualquer elemento que potencialmente deixa transparecer um descontentamento com a Grande Índia.

Estará então aberta a arena da discussão que me remete para o cliché do ocidental chauvinista e neo-colonizador, o jovem novo-rico emigrante indiano, o culturalista que recusa ver a especificidade do modelo indiano.

"And where do you come from?"
It was the Indian question. I had been answering it five times a day.
"And what do you think about or great country?"
It was another Indian question; and the sarcasm had to be dismissed.
"Be frank. Tell me exactly what you think."
"It's all right. It's very interesting."
(…)
And when we got back into the bus I found that the chemistry teacher had changed seats with his wife, so that he would not have to continue talking to me."


Excerto de "Romancers", in An Area of Darkness, V S Naipaul, 1964

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